ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A FOLHA SECA E A POESIA
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A FOLHA SECA E A POESIA
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que ao redor de um arvoredo belíssimo viviam plantas, folhas e flores sempre em contagiante alegria, menos logicamente quando ia terminando o verão e se aproximando o outono. Antes de chegar a estação das plantas entristecidas, ocres, cinzentas e amareladas, se tornava fácil observar os semblantes de olhares angustiados.
Contudo, nem tudo ali era alegria durante as outras estações. As plantas, folhas e flores, e até passarinhos, já haviam comentado sobre uma tristeza infinita que parecia tomar conta dia e noite de uma folha de uma árvore frondosa e imponente. Mais complicado ainda porque não havia motivos para uma folha viver daquele jeito, solitária e cabisbaixa, em meio a folhagens tão reluzentes e dançantes.
Mas ela era realmente diferente, amargurada mesmo, angustiada mesmo, solitária demais. Mas por quê? Os motivos reais ninguém sabia, mas um passarinho que havia conseguido tirar uma palavra daquela silenciosa boca andou espalhando que a folha estava completamente apaixonada, mas não por nem ser da flora ou da fauna, mas sim pela poesia. Vivia assim tão triste porque não era gente e muito menos poeta.
Certa vez ouvia alguém passeando embaixo de sua árvore e lendo um livro de poesias de um tal Walt Whitman que falava exatamente sobre folhas. Lembrava que a pessoa falava em folhas de relva, sobre a solidão das pessoas, a busca da alegria na natureza e o doce pesar da solidão. Tudo aquilo lhe marcou muito. Daí em diante não pensava noutra coisa senão em poesia, em ser poeta. Mas como, se era apenas uma folha.
Mas outro dia a mesma pessoa voltou ao local com o mesmo livro e abriu-o novamente em versos encantadores. A primeira página que abriu, lembrava bem, estava marcada com uma folha seca. E então pensou que se era impossível virar pessoa e ser poeta, então se contentaria em ser uma folha seca dentro de um livro de poesia.
Assim, quando o outono chegou de verdade e as folhagens esmoreceram, perderam a cor, a rigidez, as tonalidades da vida e começaram a esperar pela chegada do vento mais forte, aquela folha já estava pronta para o seu destino. E quando veio a ventania se desprendeu do galho e se deixou levar pelo ar.
Passou por uma janela aberta e entrou. Caiu sobre um livro aberto em cima de uma cama. E hoje marca a seguinte passagem de “Folhas de Relva”:
“Eu parto que nem ar/ sacudo os cabelos brancos ao sol/ que se está indo embora/ derramo em remoinhos minha carne/ e deixo-a flutuando em pontas rendilhadas/ Eu me planto no chão para crescer com a relva que eu amo: quando vocês de novo me quiserem/ é só me procurarem/ debaixo da sola de seus sapatos/ Dificilmente saberão quem sou/ ou o que eu quero dizer/ mas mesmo assim eu hei de ser para vocês boa saúde/ dando ao sangue de vocês/ pureza e energia/ Se logo de saída não me acharem/ mantenham a coragem: se me perderem num lugar/ procurem achar-me noutro: em algum ponto eu hei de estar parado/ à espera de vocês...”
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com