ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: OS VELHOS

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: OS VELHOS

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

Dizem que lá onde o vento faz a curva, lugarejo de fim do mundo, vivia um povo na maioria de idosos, vez que ali quase não nascia mais ninguém.

E não nascia por causa da fama do lugar e das consequencias daquele jeito de ser do povo. Verdade é que cada um acreditava piamente nos conselhos dados pelos mais velhos, baseando-se na sua reverência pela idade.

E um dia a pessoa mais idosa do lugar e também tida como a mais sábia fez transmitir um conselho que abalaria toda a vida do lugar dali em diante. Disse que diante das incertezas causadas pelas secas e estiagens, com a fome e o desespero se alastrando, que os casais evitassem o máximo possível de ter filhos.

Tal conselho, levado a efeito pela maioria, fez com que a população envelhecida aumentasse sem que houvesse a contrapartida da juventude. Praticamente não nascia mais criança, e quando os adolescentes se tornavam adultos e depois envelhecidos, então se formava uma lacuna imensa nas outras idades.

Verdade é que um dia um velho percebeu que do jeito que a coisa ia não demoraria muito para a população do lugar acabar. Sem nascer mais ninguém, com apenas velhos em todos os setores da comunidade, chegaria um tempo que os últimos velhos seriam também os últimos daquela longa história.

E quando o último morresse então acabaria tudo de vez, sem deixar raiz, linhagem, herança, absolutamente nada. O pior é que talvez nem houvesse quem pranteasse e depois enterrasse esse último habitante. As portas e janelas ficariam abertas ou batendo sem ter uma mão para fechar, tudo seria uma desmemoriada solidão.

Como o sábio que havia dado esse conselho havia morrido há muito tempo e não chegou a sentir a ver as consequencias de seu ensinamento, então a pessoa considerada mais velha convidou o conselho dos anciãos para deliberarem sobre a situação e o futuro do lugar. Só não podia continuar como estava, era a unanimidade que soprava de boca em boca, de ouvido a ouvido.

E na reunião discutiram demoradamente o assunto e chegaram à conclusão, por unânime aceitação, que o melhor conselho que deveria ser espalhado entre a população era a necessidade de gerar filhos, da procriação, de fazer com que muitas crianças nascessem em nome da preservação da comunidade.

Contudo, um dos anciãos pediu a palavra e levantou para dizer entristecido que talvez a decisão tomada fosse de nenhum efeito, não tivesse consequencia positiva nenhuma, pois já não havia mais gente ali em idade de procriar, de engravidar, de gerar filhos, de ver nascer outras vidas no seio familiar. Todos estavam velhos demais, sem força sexual, sem qualquer apetite para os prazeres da carne.

O que fazer então? Foi a indagação recorrente. Então mais velho levantou e disse: Se um dos nossos antepassados cometeu o erro de ignorar a importância da família e da procriação, só nos resta agora admitir que de tão velhos somos novamente crianças. E viver o máximo, até mesmo porque a velhice não poderá mais nos alcançar.

Poeta e cronista

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