ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A MENINA QUE SABIA

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A MENINA QUE SABIA

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

Dizem que num lugar sem nome, de tão distante e esquecido que era, morava um povo religioso demais, levando a vida praticamente ou dentro da velha capelinha ou de joelhos embaixo dos oratórios ou das imagens dos santos. Cada casa era praticamente uma igreja, com santo de todo tipo, pra necessidade e devoção que quisesse.

E nesse lugar morava também uma jovem, linda mocinha parecendo uma flor do campo, que estava revirando a vida dos moradores de cabeça pra baixo. Mas não pela sua incomparável beleza, mas simplesmente porque de sua boca saíam palavras que todo mundo temia. Numa espécie de vidente, de conhecedora de tudo que estava acontecendo adiante ou iria acontecer, o povo passou tanto a devotar a menina como a temê-la.

O problema era que como ali não chegava jornal, não tinha rádio nem televisão, ninguém saía do lugar ou viajava para conhecer o que acontecia no mundo lá fora, e do mesmo modo dificilmente aparecia um forasteiro na região, tudo que a menina dizia soava como coisa estranha e assustadora demais.

Certa feita ela disse que tinha uma visão de um negócio onde as pessoas apertavam uns números com os dedos e depois começavam a falar sozinhas. E o povo então fez orações e até uma procissão de velas com medo que aquela maluquice chegasse por ali. Não sabiam que o telefone existia e muito menos celular.

Outra vez a mocinha disse que estranhamente via meninas novinhas, de treze a quinze anos, já grávidas, e outras já com criança no colo. E foi um deus-nos-acuda, com pessoas se benzendo, chorando, numa lamuriação que não acabava mais. E correram pra igreja esperando o fim do mundo.

Um dia disse que via a estrada coberta de uma coisa preta e lisa e as ruas tendo pedras e cimento em lugar da areia. E teve gente desmaiando, chilicando pra todo lado porque aquela visão só podia dizer que todo mundo morreria e seria enterrado tendo por cima aquela coisa preta e dura. Era o peso do pecado. E a igreja não cabia de gente.

Certa vez ela afirmou que havia tido uma visão com pessoa de fora que chegava ali prometendo o ceu e a terra, que o povo não passaria mais necessidade, que não faltaria nem remédio nem comida e que tudo na vida seria uma maravilha. Mas em troca o povo tinha de dar a ela uma coisa chamada voto. E então o povo fez festa, agradeceu demais a todos os santos porque estava sendo anunciada a vinda do salvador.

Mas um dia a mocinha disse que havia tido uma visão sobre ela mesma e fez com que todo mundo ficasse apavorado demais. Disse apenas que já estava deixando de ser inocente e que dali em diante todo mundo cuidasse de sua própria vida.

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

blograngel-sertao.blogspot.com