Mergulho no Passado
MERGULHO NO PASSADO
Eugênio Borges
Era de certeza por esta rua subida, depois de contornar o ulmeiro ou o plátano,
ou assim,
virava-se à esquerda e continuava-se a subir, com o rio sempre lá em baixo à direita,
sempre com o rio à direita
Um rio exausto a agonizar numas pedras
Nove casas ou dez
Nove casas
Tinha de ser ali
O som da grama a crescer sob aquele sol muito quente de fins de Janeiro ou grilos talvez
Havia um muro de pedra com escadas tortas e irregulares escorregadias em dias de chuva e ao cimo dela, nada
Tinha de ser aqui
Um cheiro a nada
- o passado não tem cheiro?
Voltar ao princípio e recontar
Trazido pela mão de Alberto, não havia hipótese de escapar para os lados do rio, depositava-me na escola e desaparecia atrás do muro sem despedidas, era assim ,
sempre assim
Afinal 10 casas
Reconheci pelas pinturas nas paredes, que subiam de altura conforme a nossa idade, caras a surgirem, bochechas, bocas tortas, cabelos ( não bem assim )
postiços
Um silêncio deste género nas paredes
Comovido, um bocadinho de mim, o resto, impassível
só escombros, pisos quebrados, ninhos de ratos ou porquinhos da Índia, que são ratos pintados de muitas cores com cheiro diferente e que se podem comer se quiserem, eu, obrigado
a procura de um passado, num tempo perdido
quase perdido
a descer no tempo como numa escada descendente, situando-me naquele espaço-tempo tão distante
eu dentro de mim
ou assim
Do Alberto nem sinal, quantos anos teria? 60, talvez 70
70
Não tenho saudades daquela mão, dos 5 dedos a apertar a minha, que lavava assim que me libertava, livrando-me do suor viscoso
Cheiro nauseabundo,
Não me lembro de sua cara nem voz, que pouco utilizava , só os 5 dedos
Trazia meu filho pela mão – não o Alberto – eu
Meus 5 dedos a segurar os dele, e ele sempre a querer escapar,
o suor
Percorri os escombros , descrevendo, quarto da vó, meu quarto, do Alberto
Ele a puxar-me,
- vamos ao rio pescar
Olhe bem ,aqui havia um quarto de brinquedos,um trilho dum trem que não andava, nem azul nem verde, porque não um roxo transparente, escalarte diáfono brando, como se aceso por baixo
Quase nenhum meus
alguns
No rio nada de peixe, mas ele não desistia, vai ser agora, olhos carregados de esperança, que me faziam voltar no tempo e me reviver
não era
queria falar, mas os lábios se moviam sem palavras, não podia transporta-lo até àquele passado, nem queria leva-lo àquele espaço
esse espaço em que a voz quase tomba no degrau de uma resposta que deixou de existir
nela morava meu passado distante, uma lembrança anémica, de lembranças não queridas
como uma cidade submersa perdida em curvas do tempo, a ir-se embora de mim, quase apagada da memória.
Mais um conto premiado pelo 13ºconcurso Talentos da Maturidade, um conto recheado de poesia e musicalidade.
Parabéns ao autor Eugênio Borges.]
Mas fica a pergunta: este ano não houve premiação para a poesia. Houve letras de música premiadas, será que entraram como poesia?