Memórias do Alzheimer
Quando recobrei as condições para sair de mim mesmo, viajei para encontrar parentes antigos, muito antigos, tanto quanto as fotos em preto e branco, do porta retrato depositado sobre o aparador, na sala de jantar. Fazia muito calor. Havia suportado a poeira do caminho como quem ignora o infortúnio sabendo que poderia ser pior. Estava sentado, o casal, duas cadeiras na varanda, uma ao lado da outra, as cadeiras apenas dispostas, como que ali arranjadas a tempo, o casal, contudo, distante um do outro, ainda que suas cadeiras estivessem alinhadas, ao contrário de suas memórias. Cheguei radiante em minha euforia e perguntei: - Vocês sabem quem eu sou? A resposta ressoou grave: - Não sei, nem quero saber. Tentando recobrar a estupefação causada pelo momento, ainda consegui brincar: - Que feio! Vim de tão longe só para ver vocês e vocês me recebem assim? Sou filho de Izabel, sou médico. Silêncio. Silêncio recobrado pela voz que veio do mesmo olhar frio e distante da cadeira, só que agora, solene e profunda, como se vibrasse em tom menor nas ondas do tempo: - Lá, atrás, no quintal, tem abóbora, pode ir lá pegar... Quando me voltei para dizer Adeus, meus olhos descansaram sobre duas cadeiras vazias. Ao cair da tarde a brisa refrescou a noite, o sereno acalmou a poeira da estrada, a lua apareceu no céu e o silêncio abençoou o retorno para casa.
Verão de 2011