CONTO DE INSATISFAÇÃO

Era um dia comum... Minto! Comum não era não... Mês de janeiro, ano de 1989, sol a pino, céu... o céu de um azul prenunciante. Pé de Serra: paraíso na Terra, lugar onde os anjos se encontram para realizar seus sonhos solicitados solenemente às estrelas que se aventuram em riscar a noite. Pedido feito, protocolado, não há como ser negado.

Beira d’água moldada por areia que mais parecia pó, extensão a perder de vista. Conchinhas ornando o pisar, coqueiros crescendo inclinados, quase paralelos ao chão – como a querer beijar os lábios do mar – jangadas solitárias esperando seus donos para juntos se entregarem à imensidão...

O cenário, se não me furta em nada a memória um pouco gasta, era este. A quem se permitir a dúvida, deixo aberto o convite... o lugar permanece quase o mesmo, parece resguardado como resguardado estão os acontecimentos já amadurecidos pelo tempo.

Por que razão as pessoas não escutam as falas que lhes brotam do âmago? Coisas que não posso entender, tampouco consigo explicar. Bicho complicado é gente. Toda vez que me pego a pensar na dificuldade de enxergamento que gente tem, lembro-me das palavras de Quintana:

“Quantas vezes a gente, em busca da aventura, procede tal e qual o avozinho infeliz: em vão, por toda parte, os óculos procura, tendo-os na ponta do nariz.”

E sem perceber os óculos, segue-se o destino inglório, acabrunhando frustrações a bater de rodo, e Mário recorre a minha memória novamente...

“É sem razão, e sem merecimento, que a gente a sorte maldiz: quanto a mim sempre odiei o sofrimento, mas nunca soube ser feliz...”

Penso no quê de comédia que há em certas tragédias... É certo que o ser humano vive a vida inteira à caça da felicidade, é uma carência de completude sempre incompleta. É a eterna insatisfação do cão a perseguir a roda, quando a alcança, perde o sentido da sua busca... E lá vem Mário Quintana outra vez...

“Só o desejo inquieto, que não passa, faz o encanto da coisa desejada... E terminamos desdenhando a caça pela doida aventura da caçada.”

Melhor mesmo é entregar ao poeta a rude missão de entender e traduzir as contradições humanas, só ele parace descrever na beleza e profundeza de seus versos o por quê de gente acabar devolvendo presentes recebidos das mãos de estrelas...

Poesias a parte, porque não sei, na verdade, se a arte imita a vida, ou se é o contrário que se dá... A história quase se iniciou no dia comum, poder-se-ia dizer que aquele fora o dia da invenção daqueles dois, a criação, um sopro de brisa, a luz dos olhos teus na luz dos olhos meus sem mais la ra ra ra... farois que se encontram e se perdem nas curvas da estrada da vida, desenhadas pelos entes pasmos!

Mas na festa das águas, o segundo ato. Branco para se vestir, flores para cobrir os cabelos de manto, homenagens aos vitoriosos que iniciariam uma viagem de cinco anos, longe de casa, dos amores, amargurando o doce destino de se tornarem doutores. Será que na vida melhor destino não haveria? Pergunta que não se calava e enchia de dúvidas corações juvenis temerosos pelas saudades e pelo cercear da juventude... Premonição! Foi mesmo assim: a saudade, a distância, a juventude mal vivida, o medo, a indiferença, o orgulho, o fim!

Depois do fim, o vazio e com o vazio, a frustração e com a frustração a eterna sensação de que a vida ficou interrompida naquele momento. Sensação em par, duplo sentimento de que saiu tudo errado. E a vida seguiu seu curso a despeito das poesias, das promessas não feitas e das palavras não ditas... Não há o que reclamar, a vida sempre segue o seu curso...

Fabiana Gusmão
Enviado por Fabiana Gusmão em 26/10/2011
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