LARISSA MCVOUER- CAPÍTULO UM E DOIS
LARISSA MCVOUER
Capítulo um
-É engraçado como os caminhos do dia-a-dia se mostram profundamente repetitivos e desnecessários.
Trevor divagava enquanto caminhava até sua aula de francês. Se fosse considerar a época em que começara o curso era de se esperar uma fluência ampla na língua, mas entre o tempo de curso pago e o tempo dedicado ao curso perdiam-se muitos anos. Na verdade até aquele dia ele nunca realizou nada por vontade própria, desde o seu trabalho até seus relacionamentos pessoais sempre seguiram os interesses da família.
Absorto nestes pensamentos Trevor repara em uma moça que atravessava a rua na sua frente, mais precisamente nos cabelos ruivos que balançavam num ritmo novo a cada passo. Não era nenhuma novidade sua preferência por ruivas, mas aquele corpo caminhava com qualquer coisa a mais do que uma mortal, parecia que cada parte dela tocava uma nota musical diferente a cada segundo compondo uma obra de arte. Com um sorriso no rosto Trevor percebe que ambos estão indo para o mesmo lado, quem sabe ela fosse uma nova aluna ou professora.
Quando se dá por si já estava na frente da escola de idiomas e a ruiva continuou seu caminho, frustrado Trevor olhou uma última vez para a moça dos cabelos ruivos e percebe que ela começou a andar apressada, ou melhor, como se estivesse com medo , provavelmente tentando fugir de alguém ou de algo. Ele olha ao redor e não consegue distinguir nada de estranho ou anormal, apesar de ser uma rua movimentada com vários carros e pessoas passando a todo momento nenhuma ameaça era visível. Decide então ir atrás dela e perguntar se está tudo bem. Enquanto ele se aproxima o estado de nervosismo da moça passa para um estado de total terror e ela começa a correr deixando cair um papel do bolso, Trevor não sabe se o papel caiu por acidente ou se ela fez isso de propósito, mas decide se abaixar para pegá-lo. Sem que desse tempo de se levantar do chão Trevor escuta um estampido alto no mesmo momento em que a ruiva cai no chão aparentemente sem vida.
A primeira reação de Trevor foi procurar de onde veio o tiro, primeiro olhou ao redor e só viu o rosto de pessoas tão assustadas quanto ele sem saber o que fazer até o momento em que sente um movimento no alto de um prédio vizinho, rapidamente se vira e enxerga um vulto de um homem olhando calmamente a cena toda. Olhando mais atentamente Trevor percebe que o homem do terraço vestia um terno bege e era calvo. Enquanto Trevor olhava para o homem no terraço três homens desceram rapidamente de um carro preto carregaram a moça até o porta-malas e partiram. Desesperado Trevor começa a correr e de longe repara que o vulto já tinha ido embora, de fato parecia que nada tinha acontecido. Não havia corpo, não havia carro, e as próprias pessoas que assistiram o assassinato eram engolidas pela massa de pedestres que passavam a toda hora.
Capítulo dois
Trevor olhou para o relógio na parede a sua frente, e viu que já tinha se passado quarenta minutos após ter chegado à delegacia, foi sua primeira idéia após a morte da garota ruiva. A escrivã da delegacia, uma mulher de aparentemente 45 anos, morena, baixa e gorda avisara-o, com bastante descaso e uma aparente frustração com a vida, que o delegado Farias estava em uma reunião e iria demorar bastante tempo, o melhor era que ele fosse ao registro de ocorrências.
“-Por que você precisa falar com ele mesmo?”
“-É particular.”
Era melhor não contar até falar com o delegado, com certeza aquela mulher não poderia ajudar em nada. Na verdade ela não parecia muito confiável e sua história era no mínimo absurda, um homicídio sem corpo e sem testemunhas identificadas. Fora isso seus dezessete anos não passavam muita credibilidade, sempre acreditara que em alguma oportunidade iria ser considerado homem, mas até hoje nada em sua vida tivera alguma relevância, era só um garoto quase entrando na faculdade com uma vida comum, com uma família comum, com amigos comuns e no fundo sentia vergonha disso.
A porta que dava acesso ao gabinete de Farias se abriu, Trevor notou sem olhar que alguém saiu de lá e estava saindo pela sala de espera. Quando a figura passou por ele, inconscientemente levantou os olhos e seu alivio por ser atendido logo, se dissipou da face em forma de pânico. O homem que andava a sua frente com um ar de impaciência e superioridade era o homem do terraço, com o mesmo terno bege.
-“Espere só um pouquinho que eu vou lá avisar que você está esperando.”- escrivã.
Enquanto o homem calvo atendia uma ligação e saía sem reparar no jovem que estava sentado no sofá, os passos no corredor ressoavam na cabeça de Trevor, “Provavelmente o delegado deve ter alguma a coisa a ver com tudo isso, e se eu entrar lá dentro...” A escrivã abre a porta que dá acesso ao escritório, Trevor olha para o relógio que marca 18h16min, ele se levanta e corre para fora da delegacia.
Imaginou o que a secretária gorda estaria pensando neste momento, para falar a verdade ele não estava pensando nisso, pelo menos não aquele garoto que tinha acordado de manha para ir para a aula, aquele garoto estava amedrontado sem saber para onde ir, se aquele garoto estivesse no comando com certeza estaria chorando e voltaria para casa viver sua vida inútil e amarga, iria ficar algumas noites sem dormir lembrando-se da moça ruiva assassinada na sua frente até que isso fosse só mais uma memória ruim, como a primeira namorada que deixou dele, ou quando apanhara na escola para um menino mais novo, isso é claro se aquele garoto estivesse no comando.
A algumas quadras dali, um jovem sombrio e sereno caminhava na rua, seu andar era confiante e ele olhava atentamente um pedaço de papel em suas mãos como se procurasse alguma mensagem escondida. Estava com um estranho sorriso na face e seus olhos estavam cheios de glória, como se sua alma não coubesse dentro dele, os olhos de alguém que escolheu jogar tudo fora, os olhos de um homem livre.
No bilhete estava escrito Afonso Pasqual 1672 quarto 05.