GATOS E GATAS

O semblante da moça iluminou a palavra tal os olhos enigmáticos de meu gato Black. E a imaginei deitada no meu braço a ronronar estripulias em todas as artérias. A sensação gozosa do pelo deslizando na pele demarcava o futuro de apreensões também nas veias da mão, quando nascia o poema tão bem-havido. Naquele mesmo instante insurgiu-se-me o universo de temores: pretextos para incompreensões. E eu – pobre de mim – apenas furtei-me ao insólito gozo de estar só. Abri os olhos com o lençol escorrendo para o tapete do quarto nas unhas crispadas de Black. O furtivo das lembranças fenecia na lágrima o abajur de ausências... Era a outra conviva da costumeira solidão: a gata – manhosa e dócil – arranhava os travesseiros mudos. E acendi a luz, com a nítida impressão de que Dona Moça havia chegado e ligado a estufa...

– Do livro SORTILÉGIOS, 2011.

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