A galinha e o ovo

A GALINHA E O OVO

Darlam e Edvaldo certamente são daqueles que nasceram para não se encontrarem nessa vida, mas por mera ironia do destino acabaram morando na mesma rua, de frente um para o outro. Quando os conheci tinham mais de trinta anos e já haviam constituído família. No momento que dei conta do irrelevante prélio que os envolvia me comovi, pois eram a verdadeira prova kármica na terra, vítimas de um lapso da natureza ainda mal resolvido para com a ciência. O problema atingiu tal gravidade que acabou também por comprometer todos os moradores da rua em que moravam. Seu Rufino tintureiro me contou que tal situação teve inicio quando os protagonistas em questão eram ainda meninos. Hoje, mesmo adultos, a birra de um com o outro ainda permanece. Eu mesmo testemunhei inúmeras desavenças.

Num domingo ensolarado Darlam colocou sobre a cabeça um espanador e bêbado saiu para o meio da rua, alucinado, imitando galinha cacarejando. Edvaldo em casa, reunido com a família, ao ouvir a exímia imitação saiu também para o meio da rua e partiu pra cima do Darlam. A briga foi feia e todos os vizinhos acabaram entrando também na pancadaria. No inverno Edvaldo montou um tabuleiro cheio de ovos no seu portão, alegou que estava iniciando comércio mas em lugar algum havia placa de vende-se ovos. Darlam foi lá e quebrou tudo. Outra pancadaria.

Na semana seguinte Darlam encheu o próprio quintal de galinhas –Vou montar um aviário! Disse ele. Na calada da noite Edvaldo atirou milho envenenado matando todos os galináceos. O rebuliço acabou no distrito local.

Na páscoa Edvaldo alegorizou sua varanda com um ovo gigante. Darlam atirou um cabeção de nego e explodiu o símbolo pascoalino.

No natal Darlam montou um presépio. Tudo passaria em paz se não tivesse acrescentado á maquete uma galinha bem maior do que ela. Edvaldo incendiou o presépio e acabou excomungado pela paróquia local.

Chegou a eleição para prefeito. Edvaldo ergueu uma faixa de: Vote em vovô viu o ovo! Darlam colocou outra: Agora é galo neles! Fizeram boca de urna e acabaram presos.

Darlam deu para o filho um garnisé com coleira de ouro. O filho de Edvaldo estrangulou o bicho.

Edvaldo colocou um ovo em pé na rua, na frente da casa do Darlam. Darlam que tem no carro buzina com som de galo cantando passou em disparada em cima do ovo buzinando sem parar.

Intrigado fui até Rufino que detalhou o problema. –Eles tinham só sete anos de idade e estudavam na mesma escola e na mesma sala. Um dia, só de brincadeira, a professora quis saber:

– Quem nasceu primeiro, a galinha ou o ovo?…

-Darlam disse que foi a galinha, Edvaldo afirmou ter sido o ovo. Discutiram e no recreio trocaram sopapos. O resto você já sabe! Finalizou o tintureiro.

Paulo de Medeiros
Enviado por Paulo de Medeiros em 25/08/2011
Reeditado em 26/08/2011
Código do texto: T3181231
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