A Despedida **
Não bastava casar e enterrar a infância, vem o marido e resolve fazer uma faxina na casa, decidido a jogar fora tudo o que é velho. Certa tarde, meu marido teve a ideia. Pegou uma sacola de lixo preta e pediu que eu escolhesse algumas pelúcias para me desfazer. O que é velho afetava a rinite, ele dizia.
Comecei a escolher os bonecos de pelúcia de minha infância que deveriam ser descartados. Então, no meio daquela despedida tipo “Toy Story 3”, apeguei-me a uma antiga pelúcia de coração rosa, que quando apertado costumava acionar uma luz vermelha enquanto reproduzia a frase: “Te amo!”. Era um presente que um tio meu muito querido havia me dado na infância, mas o coração não mais iluminava nem falava. Meu marido sacudia a sacola, coçava o nariz, incentivando-me a jogar fora aquele coração da infância.
Mas não queria despedir-me assim tão facilmente. Eu queria provar que aquele coração ainda funcionava. Comecei a apertar e a apertar aquele coração, quase que em uma massagem cardíaca, mas nada do coração renovar as funções de outrora. Após algumas tentativas sem sucesso, desolada, eu fechei os olhos e descartei a pelúcia. No entanto, ao cair no fundo da sacola, eis que o já declaradamente falecido coração começou a piscar sua luz vermelha. Abri um sorriso de alegria e espanto ao ver aquela luz vermelha pulsando de dentro daquele saco preto da morte de brinquedos e me vi ser projetada inevitavelmente para o filme “E.T.”.
Meu coração estava vivo!
Um lampejo de alegorias filosóficas me invadiu a mente naqueles segundos de reanimação. Retirei rapidamente meu coração revivido e o abracei. E bem fraco e distante ouvi ele responder: “Te amo!”. Sim, infância, eu também te amo.
Publicado em “Mulheres e seus amores”, disponível aqui em formato E-Book.
(Publicado em: Palavra é Arte-Narrativas, 2017)
Não bastava casar e enterrar a infância, vem o marido e resolve fazer uma faxina na casa, decidido a jogar fora tudo o que é velho. Certa tarde, meu marido teve a ideia. Pegou uma sacola de lixo preta e pediu que eu escolhesse algumas pelúcias para me desfazer. O que é velho afetava a rinite, ele dizia.
Comecei a escolher os bonecos de pelúcia de minha infância que deveriam ser descartados. Então, no meio daquela despedida tipo “Toy Story 3”, apeguei-me a uma antiga pelúcia de coração rosa, que quando apertado costumava acionar uma luz vermelha enquanto reproduzia a frase: “Te amo!”. Era um presente que um tio meu muito querido havia me dado na infância, mas o coração não mais iluminava nem falava. Meu marido sacudia a sacola, coçava o nariz, incentivando-me a jogar fora aquele coração da infância.
Mas não queria despedir-me assim tão facilmente. Eu queria provar que aquele coração ainda funcionava. Comecei a apertar e a apertar aquele coração, quase que em uma massagem cardíaca, mas nada do coração renovar as funções de outrora. Após algumas tentativas sem sucesso, desolada, eu fechei os olhos e descartei a pelúcia. No entanto, ao cair no fundo da sacola, eis que o já declaradamente falecido coração começou a piscar sua luz vermelha. Abri um sorriso de alegria e espanto ao ver aquela luz vermelha pulsando de dentro daquele saco preto da morte de brinquedos e me vi ser projetada inevitavelmente para o filme “E.T.”.
Meu coração estava vivo!
Um lampejo de alegorias filosóficas me invadiu a mente naqueles segundos de reanimação. Retirei rapidamente meu coração revivido e o abracei. E bem fraco e distante ouvi ele responder: “Te amo!”. Sim, infância, eu também te amo.
Publicado em “Mulheres e seus amores”, disponível aqui em formato E-Book.
(Publicado em: Palavra é Arte-Narrativas, 2017)