O Extranho
Era de tardezinha e, já se fazia o arrebol, quando ele apareceu na estrada. Veio trotando num cavalão baio. Pela qualidade dos arreios, podia notar – se que não era um qualquer. Tinha um rifle Winchester calibre 22, Remington e uma carabina 44 papo amarelo pendurados na cela e um revólver Colt 45, num coldre preso na cintura. Chegou e foi encostando-se à cerca de varas que ficava ao redor da casa, gritando pelos da casa. Eu estava no chiqueiro das cabras apartando-as, à esquerda daquele forasteiro e pude observá-lo bem. O homem trazia dois patos selvagens abatidos pendurados na garupa do cavalo, havia muitos alagados naquele caminho e pelo jeito aquele estranho atirava bem. As armas não eram de enfeite.
Minha mãe, que Deus a tenha em boa hora, era uma mulher aflita e logo foi gritando pelos meninos e colocando a criançada para entrar para os quartos, ela não podia ver armas que ficava com os nervos em frangalhos. Fiz que não fosse comigo, não podia perder a oportunidade de observar uma figura daquelas num lugar como aquele que morávamos, longe demais de tudo. As pessoas de longe me fascinavam. Meu pai estava preparando um borlé na sala do meio e apareceu para receber o homem. Pediu a ele que apeasse e que viesse para dentro. Pediu a minha mãe que ela coasse um café adoçado com rapadura e ofereceu ao homem um bocado do fumo temperado com o borlé. Enquanto minha mãe passava o café, meu pai e o estranho enrolavam os cigarros e se apresentavam. O homem era Diocleciano, gente brava, de lá do rumo dos “Pompeu” e estava ali na região para acertar uns negócios de dinheiro com um credor fujão que havia se mandado para não pagar a dívida e ainda lhe mandou um recado desaforado antes de partir. Havia mais de ano que ele estava no encalço do fujão e agora tinha descoberto que ele estava nessa região. Beberam o café e fumaram em meio a muita conversa meu pai, como eu, gostava muito de aproveitar a companhia dos poucos forasteiros que passavam por ali. Meu pai convenceu o homem a pernoitar ali naquela noite, ele ofereceu os patos que estava na garupa para minha mãe preparar para o jantar. Também trouxe uma garrafa de caninha que trazia no seu alforje de caçador. Enquanto bebiam, eles falavam sobre aquelas coisas próprias de adultos: chuva, criação, governo e até uma guerra que acontecia longe demais daqui. Eu estava sentado numa bruaca, num canto, criança não participava de conversas de adultos naquela época. Meu pai se dava com todo mundo, mas, com aquele homem, me parece que tinha uma empatia maior, como se conhecessem há muito tempo. Eles conversaram até tarde e apesar de meu pai lhe oferecer uma cama no quarto de visitas atrás da casa, ele preferiu dormir no paiol. No outro dia ele se levantou cedinho, era 23 de setembro de 1918, foi a última vez que vimos aquele estranho e também foi o último dia de vida de um tal Rochinha, um homenzinho gazo metido a cômico, que havia chegado na nossa região fazia pouco tempo. Foi alvejado com um tiro de carabina ‘papo amarelo’ quando pensou em fugir do homem que havia dado o cano no Pompéu...