A MUDANÇA

Vinícius estava uma alegria só. Incontido em se mudar para a casa nova, não via a hora da chegada do caminhão que os levaria para o novo lar. Tudo já estava na caixa. Ele rodava pela casa à procura de algo que pudesse eventualmente estar ficando para trás. Nada. Tudo estava prontinho. Ele era um menino gordinho, não muito, mas o suficiente para se cansar depois de algumas corridas pela casa e subir as escadas que dão para o quarto daquela que foi sua morada até seus então doze anos. Loiro, é um menino inteligente, perspicaz e adorava aquela sua camiseta verde, que dava sorte, dizia ele. Usava-a sempre que iria passar por uma experiência nova.

Clara é sua mãe. Uma jovem ainda, apenas trinta e dois anos. O ex marido, Miguel saiu de casa há uns dois anos e ela dividia aquela imensa casa com o filho. Sua mãe morava bem próximo, mas falecera cinco meses atrás. Clara se consumia em angústia e aquela casa estava se tornando por demais uma prisão para ela. Bem sucedida, ela trabalhava na administração de uma multinacional. Clara, mulher inteligente, sempre elegante e bem vestida, era economista, uma das melhores, diziam na empresa. Desde que sua mãe, viúva há vários anos se fora, ela cogitava a ideia de se mudar daquela casa.

A casa era cenário de imensas histórias. Ali nascera o pequeno Vinícius, viveu dez anos com o marido, também economista, convivia com sua mãe, a senhora Joventina que ali fazia bolos, biscoitos e um monte de delícias que só as vovós conhecem tão bem. Ali dentro o filho caiu da escada umas quatro vezes, numa delas tendo que ir para o hospital com um braço quebrado. São tantas histórias e tantos sorrisos retratados dentro daquelas paredes, que agora lembram um labirinto de idas e vindas, caminhos perdidos, histórias e assombrações do passado.

Clara esta aguardando do lado de fora, no jardim de frente da casa. É um imenso gramado, enfeitado com bichinhos de gesso e algumas flores que ela cultivava, de mudas plantadas pela mãe. Num canto ainda estava lá uma escultura que jorra água de uma fonte, trazida pelo pai de presente para o filho. Era fixa, e, portanto não ira para a nova casa. Ficaria ali como um monumento aos bons tempos em que naquela casa residia uma família inteira e completa. Ela conseguiu uma transferência para a cidade onde mora sua irmã, a tia predileta de Vinícius. Lá existe o primo Paulo, que ele adora. Serão vizinhos.

Chega o caminhão de mudança. Tudo vai sendo rapidamente colocado nele. Junto, também seguem lembranças dos tempos em que aquela cidade retratava os vários momentos felizes. De dentro do seu carro, indo agora à frente da mudança, Vinícius olha a rua e a velha casa da vovó, agora habitada por um homem meio estranho, desde que foi vendida. Sente saudade dela, mas ainda assim se vai feliz, esperando que a nova vida seja muito interessante. Clara dirige o carro com lágrimas. Esta feliz pela mudança, mas as lágrimas são pelo passado que vai ficando apenas no retrovisor do automóvel. É assim que ela quer lidar com o passado, promete a si mesma que estas são as últimas lágrimas pela ausência de Miguel e que se alguma outra correr a seus olhos seja apenas pelos pais que já não mais estão neste mundo. Para trás ficam os vivos e os mortos. A ressurreição a espera na outra cidade, com novos amigos, com uma casa menor, o suficiente para o filho e ela.

A esperança caminha sempre à frente, e o passado deve ser apenas uma imagem de retrovisor, que diminui e se faz desnecessário à medida que a visão da frente se amplia. A viagem é um sepultamento de um passado que deve ser lacrado no túmulo. Dali, nada mais escapa. Clara resolveu enterrar o seu. Vinícius ainda não entende muito bem o que se passa. Vê o pai raras vezes, sente falta dele, mas consegue viver sem traumas diante da ausência do pai.

Na casa antiga, um descuido. Vinícius correu a casa à procura de algo que pudesse ter ficado para trás. Uma violeta bela, pequena, esquecida, logo entrará na lista dos mortos e sepultados. Afinal, algo sempre fica para trás.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 07/08/2011
Reeditado em 15/08/2011
Código do texto: T3144913
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