Por que mataram o padre?

POR QUE MATARAM O PADRE?

Honorato Ribeiro.

(Do livro História de Carinhanha às páginas 80 a 87, do mesmo autor).

Num lugar chamado Batalha, município de Bom Jesus da Lapa, morava um rico fazendeiro por nome de Capitão José Pereira. Era muito rico, dono de uma imensa fazenda com muito gado e empregados.

Certo dia chegou à sua fazenda uma senhora trazendo dois filhos. Ela era uma mulher muito rica. Não sabemos a sua procedência, sua família e sua terra natal. O capitão José Pereira sabendo que a mulher era muito rica, induziu-a para que ela comprasse uma fazenda ali, pois, o lugar era de terra fértil e boa para criação de gado e plantação para lavoura. Além disso, ela também poderia comprar escravos, pois tinha onde comprar. A mulher, convencida pela sugestão do capitão, resolveu ficar ali e comprar uma fazenda bem perto a do capitão José Pereira. Fez bom negócio comprando uma fazenda com muito gado. O negócio ia andando muito bem. Muito pasto, boi engordando; muito leite para tomar e fazer requeijão. O negocia ia crescendo cada dia e a mulher, por nome Maria da Conceição, estava feliz.

Certo dia, um de seus escravos veio lhe contou que estava sumindo muito gado da fazenda dela, mas estava com muito medo de contar para ela quem estava roubando. Ao escutar a noticia do seu vaqueiro, dona Maria ordenou, obrigando-o a dizer quem era o ladrão. Então ele criou coragem e disse-lhe:

-É o capitão Zé Pereira. Mas vou lhe pedir, pelo amor de Deus, que a senhora não vai dizer que fui eu quem falou.

-O capitão Zé Pereira?!

-Sim, minha senhora! É ele mesmo. Eu vi com meus próprios olhos. Não foi uma e duas vezes, não. Várias vezes. Ele e seus empregados.

-Não é possível o que estou ouvindo de você! A acusação é muito forte para acreditar, mas você é um fiel empregado e não iria mentir. Mas eu vou falar com ele umas verdades e quero que ele me pague o gado que ele me roubou. Não é porque ele é capitão que não vai ouvir o que tenho de lhe dizer.

Dona Maria, que era muito boa e tinha um coração benevolente, certo dia chegou à sua fazendo um homem aleijado, que tinha o apelido de Retorcido e lhe pediu agasalho e ela o deu. Retorcido ficou morando e recebia todo o carinho e apoio de dona Maria.

Dona Maria Conceição tinha uma vaca de estimação muito bonita. Era costume, determinada hora, a vaca ir comer à porta da casa da fazenda. Um dia a vaca não veio como de costume e sumiu da fazenda. Então o vaqueiro de dona Maria contou para ela, que a festa realizada na fazenda do capitão Zé Pereira tinha sido o banquete da vaca de estimação dela. Por esse motivo a vaca não veio mais comer à frente da porta da fazenda. Ele a roubou e a matou. Então dona Maria criou coragem e se dirigiu à fazenda do capitão Zé Pereira, a fim de dar-lhe uma lição de moral. Chegando lá, entrou sem pedir licença. Todos estavam em volta da grande mesa e o capitão José Pereira estava sentado em uma cadeira de balanço. Ela chegou de supetão, sem medo de lhe dizer a verdade e disse ao capitão:

-Capitão Zé Pereira, eu venho aqui, para lhe dizer que o meu gado que sumiu de minha fazenda misteriosamente há muito tempo, inclusive a minha estimada vaca, sem que eu soubesse quem seria o ladrão, agora eu descobri quem é.

-Não diga, dona Maria! Quem é esse ladrão?!

-Eu apertei o meu vaqueiro, que havia há muito tempo, sabendo quem era o ladrão e estava, por medo me escondendo, afirmou-me que o ladrão é o senhor, capitão. Agora é que compreendi o porquê de tanta questão que o senhor fizera, para que eu comprasse essa fazenda vizinha do senhor. Para me roubar, não foi isso, capitão?

-Não é verdade, dona Maria, isso é uma calúnia contra a minha honrada pessoa!...Esse negro deve está mentindo!... Ele está louco!

Não, capitão, o meu vaqueiro não é mentiroso, pois eu mesma investiguei e comprovei a verdade o que ele me disse. Até logo, capitão José Pereira. Que vergonha, capitão.

O capitão, perante seus empregados ficou envergonhado, mas guardou vingança. Então ele engendrou um plano para acabar com dona Maria. Era capitão e não podia perder a autoridade e a honra perante seus empregados e vizinhanças. Então, o capitão José Pereira mandou um de seus empregados ir à fazenda de dona Maria da Conceição chamar Retorcido, que morava com ela, a fazendeira, pois ele queria conversar com ele. O empregado foi às escondidas e chamou o Retorcido à parte e lhe deu o recado. O Retorcido atendeu ao chamado e foi ver o que o capitão José Pereira queria com ele. Assim que ele chegou o capitão Zé Pereira entrou logo no assunto e disse-lhe:

-“Mandei lhe chamar, Retorcido, para você fazer um serviço para mim”...

-Pode falar, capitão, sou todo ouvido.

-É para você assassinar sua patroa, dona Maria. Ela não poderá mais viver. Tem que matá-la.

-Deus me livre, capitão! Minha senhora não merece isso! Ela é muito boa para mim. É como se fosse minha mãe!...

-Nada disso. Se você não fizer o que estou lhe ordenando, quem irá morrer é você. Agora você escolha: Ou mata a sua senhora ou você morrerá. Escolha. E se você me obedecer assassinando sua senhora, corra pra cá e eu lhe darei agasalho e cobertura.

-É, capitão,... pra gente não morrer...é fazer o que o senhor está mandando, né?!

-Então, mãos à obra. Não perca tempo. Faça o serviço direito e corra pra cá, que você irá ser amparado.

O Retorcido tratou logo de executar o seu plano maldoso. Mas dona Maria da Conceição, por cautela, mudou-se de quarto. Retorcido estava sempre no pé dela para uma oportunidade matá-la. Até que ele descobriu, que dona Maria tinha mudado de quarto de dormir. Então à meia-noite, Retorcido na ponta do pé, bem devagarzinho, sem fazer barulho, entrou no quarto e apunhalou com várias facadas a patroa, que aos gritos pediu socorro. Todos da fazenda acordaram ao escutar os gritos de dona Maria e correram para socorrê-la. Mas chegaram tarde. Ela já havia sido assassinada covardemente por aquele que ela tinha ajudado. Retorcido fugiu para a casa do capitão José Pereira, o mandante do crime. Os empregados da falecida saíram em busca, na escuridão da noite, com fachos acesos em busca do assassino, e descobriram quem foi o criminoso: Retorcido. Mas os empregados, escravos não puderam fazer nada, pois se tratava de um homem poderoso: O capitão José Pereira. Lamentaram a morte da boa patroa e voltaram cheios de tristezas. Só puderam fazer um enterro e rezaram por ela.

Naquele tempo, no rio São Francisco, o transporte era feito pelas barcas de carranca que subiam e desciam levando gente e mercadoria, através dos “motores humanos”, os remeiros. Fortes homens, que com a vara no peito empurravam a barcaça rio à cima e desciam vogando e outro no leme.

Era o ano de 1822, quando a barca do Capitão Antônio Guimarães aportou-se no porto da fazenda do capitão José Pereira. O Capitão Antônio Guimarães levava muitos homens armados com bastante munição. Assim que chegaram, o Capitão Antônio Guimarães enviou um de seus homens, a fim de avisar ao capitão José Pereira, que a sua barca tinha trazido muitas mercadorias para vender e, se ele se interessasse comprar alguma coisa, que fosse ao porto negociar. O Capitão Antônio Guimarães acrescentou: “Olhe bem com muito cuidado, quantas pessoas têm, a posição da casa, quantas janelas, portas, quartos, pois ele iria fazer uma surpresa ao capitão José Pereira.” O negro foi; e entrando na casa, estava o capitão José Pereira com todos os seus empregados ao redor da grande mesa a conversar. Disse o negro:

“Bom dia, capitão José Pereira. O meu patrão mandou lhe dizer que chegou aqui, na barca e trouxe muita mercadoria; ela está cheia de mercadoria para vender. E, se o senhor quiser comprar alguma coisa, que fosse ao porto que ele faz um bom preço para o senhor, pois tem muita coisa boa a venda.”

-Diz a seu patrão que eu agora não posso ir, mas irei amanhã como sem falta lhe fazer uma boa compra.

O negro fez tudo o que o patrão tinha mandado com muita precisão. Voltando, contou ao Capitão Antônio Guimarães tudo detalhadamente e quantos homens havia com o capitão José Pereira. O Capitão Antônio Guimarães ao ouvir a narração do negro, relatando exatamente como ele mandara, aproveitando da boa oportunidade, deu ordem a todos, que pegassem as suas armas, pois ele iria fazer uma grande surpresa ao capitão José Pereira e todos os seus asseclas e o assassino, Retorcido. Quando se aproximaram da casa, o Capitão mandou seus homens cercarem toda casa e ficassem sobre o seu aviso de fazer uma chacina. O capitão entrou até à sala, com a arma em punho e disse para o capitão José Pereira: Capitão José Pereira, considera-se preso. E ninguém se mova, pois a sua casa está toda cercada pelos meus homens e estão todos armados. No mesmo instante, o capitão Antônio Guimarães deu ordem a dois dos seus homens: Peguem seus punhais e matem o aleijado Retorcido. Eles o agarraram e o assassinaram, vingando a morte de dona Maria da Conceição. Em seguida, o capitão Antônio Guimarães mandou fuzilar a todos começando pelo capitão José Pereira, o mandante do crime. Não ficou ninguém para contar a história.

Imediatamente todos embarcaram na grande barca subiram rio à cima para aportarem em Carinhanha. Em Carinhanha morava o Capitão Joaquim Amorim Castro da Gama. Grande fazendeiro e proprietário de muitas terras. Tinha muitos escravos e empregados.

Assim, a notícia correu de boca em boca rio acima até chegou a Carinhanha o massacre que fizeram em Batalha. Mas, como acontece sempre, que as notícias quando chegam, chegam sempre mal contadas e truncadas. Assim houve alarde em toda Vila de Carinhanha: “Vem subindo rio acima uma barca de um tal capitão com muito jagunço, que vem matando todo mundo para roubar... Não escapa ninguém!... É muito perigoso e valente!”... A sua barca está cheia de jagunços armados até os dentes! Uma velha, que criava uma garota por nome de Caetana, quando ouviu a notícia, correu depressa ao sobrado do capitão Joaquim Amorim, a fim de lhe dar a notícia. Disse ela para o capitão:

-Capitão Joaquim Amorim, aí vem subindo uma grande barca dum capitão com muitos jagunços matando o povo para roubar. Previna-se, capitão Amorim!...

O capitão Joaquim Amorim, por precaução, pegou quatro malas cheias de ouro e as colocou sobre dois cavalos enviando-as para sua fazenda do Riacho para a sua segurança. Depois, reuniu todos os escravos, deu-lhes armas e munições e foi ao encontro da tal barca pegá-los de surpresa. Na barca, como passageiro, vinha um padre por nome de Pe. Nicândido. Todos estavam tranquilamente sem saber o que poderia lhe acontecer. Quando a barca se aproximou de Carinhanha a uns 12 km, os homens do capitão Amorim mandaram fogo cerrado contra os que vinham na barca, e, no tiroteio assassinaram o padre Nicânddo e outros. O capitão Antônio Guimarães Amorim escapou-se com vida e outros empregados, pois estavam também armados e souberam se defender do tiroteio. Trouxeram o corpo do padre Nicândido e enterraram na Igreja Matriz de São José. Até, antes da reforma da igreja, a pedra onde sepultaram o padre, a gente via na nave da igreja com inscrição fúnebre: “Aqui jazem os restos mortais do padre Nicândido”.

O padre Nicândido morreu inocente. A causa foi uma notícia inverossímil criada de boca em boca pelo povo. Foram mal informados e acabou-se numa grande tragédia. O capitão Amorim, como acontece nas fofocas políticas, acreditou sem que fizesse uma investigação para saber se seria mesmo verdade. Acreditou numa mentira e acabou matando um inocente, o padre Nicândido, que também não soube da chacina em Batalha. Ele era apenas um passageiro, que no caminho, acredito eu, pegou a barca que vinha para Carinhanha. Esse fato se deu no ano de 1822.

O capitão Joaquim Amorim Castro da Gama era muito rico e predominava toda região até Correntina. A história conta que Angélica de Cerqueira seria a sogra do capitão Amorim. Dona Angélica era muito rica e possuía um grande engenho e muitos escravos. No local, onde hoje é a casa de seu João Porfírio, atrás do antigo cemitério de Correntina, era a instalação do engenho dela.

O capitão Amorim partia de Carinhanha e seguia para Correntina, ficando bastante tempo com dona Angélica. Existe até hoje o alicerce de cal trançado deixando assim à mostra da antiga casa, em Correntina, onde hoje é somente ruína.

Naquele tempo o transporte era em lombo de burro ou cavalo. Seu Lúcio Rodrigues, pai de seu Abílio Rodrigues, certa vez viajando para Goiás, parou na Serra de São Domingos e se encontrou com um negro por nome de Manoel Carinhanha e narrou tudo para ele a história da Batalha e a de Carinhanha com o tiroteio que fizeram contra a barca matando o padre Nicândido e outros.. Ele narrou a seu Lúcio Rodrigues, que o avô dele era um dos homens do capitão Antônio Guimarães o qual escapou com a vida no cerco que fizeram em Carinhanha. Meu avô fugiu, vindo parar aqui, na Serra de São Domingos. Meu pai foi quem me contou toda essa história. Eu era ainda pequeno, mas me lembro bem; não sei contar detalhadamente, mas o que sei estou lhe contando.

Tempos depois, seu Lúcio Rodrigues encontrou-se com um velho por nome de João Cazumbá, que lhe contou a mesma história, que o negro em Serra de São Domingos havia lhe contado.

Na minha pesquisa, que sempre faço para narrar os acontecimentos do passado de Carinhanha, nada encontrei no Cartório e Delegacia esse fato que oro narro. Contudo a história é verídica, pois muitas pessoas escaparam com vidas e são as testemunhas dessa história que oro narro. O capitão Joaquim Amorim Castro da Gama morreu aqui e deixou sua filha Caetana que faleceu, aqui também, e foi sepultada no cemitério da Saudade em 1930, com idade de 115 anos. Essa é uma das provas dos acontecimentos que se aconteceram em Batalha e em Carinhanha.

Há muitas histórias que acontecem e que não foram registradas em cartório, mas vai se perpetuando de boca em boca tradicionalmente. Não deixa de ser verdadeira, pois a história é contada pelo povo e alguém registra outro não. Estou registrando como fato verídico por testemunhas que viveram a tragédia e que guardaram repassando por seus descendentes e chagou até nós.

hagaribeiro.

Zé de Patrício
Enviado por Zé de Patrício em 20/06/2011
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