Calor

Era uma manhã gelada. O inverno será rigoroso. Ela escutou no noticiário que este seria o dia mais frio do ano: - 1 ºC com direito a geada.

Ela gosta do frio. Parece que o sol brilha mais forte no inverno e o céu fica mais azul. Sem falar no pôr-do-sol colorido, que deixa o céu pintado em tons de rosa nos fins de tarde. Rosa é sua cor preferida.

Quando era criança, pensava que Deus havia criado o sol para aquecer as pessoas no inverno. Imaginava uma bola de fogo com braços e pernas brigando com o malvado vento gelado:

- Você não fará as pessoas congelarem, seu miserável !! Irei derrota-lo e salvar a humanidade, eu sou o super sol !!

E jogando seu brilho de fogo, aos poucos, fazia o vento desmanchar-se até soprar devagar, em leve brisa repousante e macia.

Agora ela já sabe que o sol possui muitas outras utilidades. Nesta manhã fria ela foi testemunha. Deus também criou o sol para fazer as pessoas sorrirem.

Olhou no relógio. Estava atrasada para sua corrida matinal. Vestiu seu agasalho e calçou o tênis depressa. Tomou um gole de café e se encheu de coragem para enfrentar o vento cruel que soprava sem piedade. Nessa hora, lembrava de agradecer a Deus por ter sua cama quentinha para dormir.

Chegou ao parque onde se exercitava diariamente. Correu por uma hora e sentiu-se maravilhosamente bem. Enquanto fazia o seu alongamento antes de ir embora, observou um grupo de crianças sentadas em círculo na grama. A professora estava ao centro com um livro na mão. Chegando mais perto pôde ouvir que se tratava da história da lagartixa e da borboleta azul.

A professora estava tão empolgada que não percebeu quando um menino afastou-se do grupo. Com as mãos em concha, ele esticava os braços olhando para o sol e rapidamente colocava as mãos no bolso. Outras vezes, abria e fechava a mochila, como se guardasse algo invisível e muito secreto. Ele tinha aquele olhar de quem esconde segredos.

Ela não resistiu à curiosidade. Terminou seu alongamento e se aproximou:

- Olá! Como é o seu nome?

- Eu? Sou o Pedro.

- Não deveria estar com seus amiguinhos e sua professora ouvindo a história?

Ele pareceu surpreso e um tanto entediado.

- Estou em missão secreta, disfarçado de aluno da 4ª série. Eles não podem desconfiar de nada.

Ela sorriu sussurrando:

- Ah é? E será que eu posso saber?

- Hum.. Não sei. Meu pai sempre diz que as mulheres falam demais. Não sei se posso confiar em você. Promete guardar segredo?

- Sim. Prometo.

- Estou guardando todo o calor do sol para aquecer a minha casa., Tenho mais três irmãos menores. Nossa mãe nos abandonou. Ela disse que era por causa da casa, que lá não batia sol e que ia acabar morrendo congelada ali.

Ela sentiu o coração apertar, mas conteve a emoção. Ele continuou:

- Meu pai disse que eu sou o homem da casa e preciso cuidar dos meus irmãos na sua ausência, Além do mais, se eu levar o sol lá em casa, minha mãe vai voltar.

Ela olhou em seus olhos brilhantes, cheios de sonhos e falou com ternura:

- Com certeza. Você irá aquece-los com o seu sorriso, a sua alegria e com todo o calor que existe em seu coração.

Ele olhou meio desconfiado, sem entender direito aquelas palavras e abrindo sua mochila falou:

- Bom, isso foi tudo que consegui por enquanto. Será que chega?

Ela olhou dentro da mochila puída e rasgada e depois de breve análise disse:

- Eu tive uma idéia, mas será um segredo só nosso. Espere aqui.

Então ela correu e cochichou no ouvido da professora. Por um minuto ele achou que tivesse sido traído. Lembrou das palavras de seu pai: “ Não confie nas mulheres”. Mas essa moça é diferente - pensou. Ela parece um anjo. Igualzinha aquelas imagens que ele via nos livros de orações da sua avó.

Ela voltou. Segurando firme em suas mãos disse baixinho:

- Então? Preparado? Não esqueça que esse é nosso segredo hein?

Ele sorriu com empolgação.

Os dois saíram de mãos dadas, cúmplices de um plano perfeito. Entraram em uma grande loja de departamentos, onde ela costumava comprar e era amiga do gerente. Em um código secreto ela falou ao vendedor:

- Eu e o meu amigo aqui estamos em uma missão secreta. Precisamos com a máxima urgência de 100 cobertores mais quentes que o sol e de aquecedores também. Irei pagar com meu cartão mágico.

O vendedor cochichou a outro vendedor, e este a mais outro até chegar ao gerente. Rapidamente a loja inteira se mobilizou. Os olhos do pequeno Pedro brilhavam de alegria e excitação.

Naquela noite ao ver a casa repleta de cobertores e com um aquecedor novinho o pai do menino perguntou furioso:

- O significa isso Pedro? Como você conseguiu tudo isso? Eu te falei para não pedir ajuda na rua !! Ou você roubou tudo isso?

Pedro respondeu tranquilamente, com um ar de superioridade característicos dos que se acham espertos e inteligentes:

- Relaxa pai, fica tranqüilo. Eu conheci uma fada disfarçada de corredora e ela me ajudou na missão secreta. Agora mamãe pode voltar ! A casa está quentinha !

O homem rude, que não se deixava trair pela emoção, não conteve as lágrimas. Abraçou seu querido filhinho com toda a força que tinha e sentiu-se arder pelo calor de sua bondade e inocência infantil.

Enquanto isso, do outro lado da cidade, ela preparava-se para dormir. Fez uma prece à Deus para abençoar seu mais novo amiguinho Pedro e sua família.

Ao encostar a cabeça no travesseiro, fechou os olhos e sorriu refletindo:

“ Essa previsão do tempo nunca acerta mesmo. Sem dúvida hoje foi o dia mais quente do ano”.

Sabrina Massucheto
Enviado por Sabrina Massucheto em 01/06/2011
Reeditado em 01/06/2011
Código do texto: T3008646
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