Cowboys Fora da Lei - parte 1
Cap. 1
Isso não pode ficar assim...
Estas últimas palavras provocavam um frio na espinha de Brás. Um turbilhão de emoções explodia no seu peito ao final da carta. Aquelas linhas o tinham levado para longe dali, num passado que parecia irreal. Voltou a si e percebeu que estava em pé, em frente à porta do galpão que fizera de laboratório, com aquele papel na mão e a boca aberta. Lera e relera 4 ou 5 vezes, meio atordoado com os fatos ali descritos. Ainda meio abobalhado, ergueu a cabeça, olhou para um lado e para o outro, onde o mensageiro que lhe trouxe a carta ia embora vagarosamente sobre uma velha bicicleta. Ele ia para o leste, na direção daquele vilarejo. Piscou algumas vezes e apressadamente voltou ao interior do galpão. Fechou a porta com cerca de 4 metros de altura, feita de latão, que rangeu sob o peso dos anos. O barulho do trinco selando a passagem entre ele e o resto do mundo sempre lhe causava alívio. Não era difícil ser forte quando lutar era apenas uma opção. Agora que significava a própria sobrevivência, um caminho fácil era sempre bem vindo. Não se envolver era a melhor escolha.
- Eita porra Alex, no que foi que você se meteu seu animal...
Ajudar um amigo a sair de uma confusão num bar era fácil. Agora, meter-se com a Federação? Não, não era tão simples assim. Não se podia sair vivo de uma enrascada dessas.
- Não, não, de jeito nenhum, pfff!
Brás largou o papel sobre a trincheira de sacos de areia que havia montado a alguns metros da porta logo que se mudara. Proteção era tudo. Encostadas na parte de dentro da trincheira havia armas de todos os calibres. Mais para dentro do galpão ficava o laboratório. Na parede do lado esquerdo, prateleiras de madeira que iam até o teto, com 6 metros de altura, que ele mesmo montara. Ali estavam amontoados produtos de todos os tipos, desde pequenas e raras plantas até compostos químicos totalmente instáveis. Em frente às prateleiras, uma comprida mesa em forma de L onde se encontrava tubos de ensaio, Béqueres, Erlenmeyers, Bicos de Bunsen, e todo tipo de material de laboratório. Líquidos coloridos enchiam a vista no que mais parecia um parque de diversões para qualquer criança arteira.
Passando pela mesa, Brás dirigiu-se até o fundo do galpão onde ficavam um sofá-cama, um TV e um pequeno reservado onde estava o banheiro. Passou chutando alguns livros jogados pelo chão e desabou sobre o sofá. Sentado, olhou para o longo jaleco branco que usava. Estava sujo. Na verdade estava fedendo. Depois olhou para as botas pretas surradas que cobriam a barra da sua calça jeans e permaneceu fitando-as por um tempo.
- Cara, o que aconteceu comigo!?
Saber noticias de Alex parecia tê-lo despertado para o mundo. Aquele tempo todo enfiado no laboratório tornara-o praticamente um eremita. Tirando as breves idas ao vilarejo próximo para comprar equipamentos, o único contato que tinha com seres humanos aconteciam quando os Federais vinham comprar as suas fórmulas. Pagavam bem por elas e ele também podia barganhar uns galões de água. Mas fora estas escassas ocasiões, vivia sozinho. Dia e noite trabalhando para ocupar a mente, já havia passado dias sem dormir. Levantou-se e foi até o pequeno banheiro. Ali, uma privada onde usava a água contaminada que vinha do esgoto, um balde com água limpa e um pequeno espelho. Olhou seu reflexo e reparou como estava velho. A longa barba cobria parcialmente seus lábios, os cabelos castanhos compridos iam até um pouco abaixo dos ombros. Os olhos que o fitavam, castanho-escuros e avermelhados em volta (parte pelo sono, parte pelos destilados que ele mesmo fabricava), diziam que seus bons anos já haviam arrumado mala e partido há um bom tempo. Jogou um pouco da água do balde no rosto, cuspiu na privada e voltou ao galpão. Avistou um pássaro sentado na armação de ferro que suspendia o teto metálico. Devia ter entrado enquanto olhava para aquela carta feito um bobo em frente à porta entreaberta. Nunca gostara de matar animais, mas naqueles tempos, um pássaro não era boa coisa. Os que sobreviveram tinham se tornado carniceiros, e alguns não faziam muita questão de que o corpo já tivesse passado dessa para melhor para fazer uma boquinha.
- Desgraçado – sussurrou.
O pássaro respondeu com um silvo curto e agudo. Abriu as asas e suas penas se eriçaram. Brás e o pássaro ficaram se olhando por um segundo e em um movimento rápido o pequeno assassino voador impulsionou suas patas e partiu em um rasante violento em direção à cabeça de Brás. Este, em um movimento ainda mais rápido, projetou seu corpo pra baixo, com o ombro esquerdo em direção ao chão e deixou seu peso fazer resto do trabalho. Rolou com uma bola para frente e o pássaro passou voando, garras e bico em punho, no exato lugar onde antes estavam seus olhos. Enquanto o pássaro redirecionava sua rota, Brás correu em direção à primeira arma pousada atrás dos sacos de areia, uma pistola 9mm carregada e engatilhada. Uma arma boa, leve e certeira. Esmagou o gatilho com precisão e com um tiro derrubou o pilantrinha. Algumas penas voaram e sangue esborrifou no ar. Brás de dirigiu até o corpo agonizante no chão. O bicho ainda lutava contra a morte. Ele olhou para aquela criatura que tentara arrancar seus olhos e sentiu como se de repente o peso do mundo lhe caísse sobre as costas. Percebeu a realidade maldita em que vivia, aquele ar pesado e contagioso, a vida miserável da luta pela sobrevivência. Aquele pássaro apenas estava tentando sobreviver. Com um movimento pesado, Brás mirou na cabeça no animal e esmagou o gatilho mais uma vez, acabando com aquele sofrimento. Deixou a arma cair, voltou-se para a trincheira aonde havia deixado carta. Pegou-a e leu-a mais uma vez. Virou o pescoço e olhou na extremidade esquerda do galpão, onde descansava um motocicleta BMW R 1200 GS. Depois voltou-se mais uma vez, agora em direção à prateleira, onde estava colocado, à altura de seus olhos, um capacete branco, com grafites em cinza, uma caveira com um chapéu de cowboy desenhada no topo e escrito logo abaixo “Cowboys Fora da Lei”. E abaixo desta, a frase “On a steel horse I ride, I’m wanted... dead or alive”.
- Certo. Vamos rodar então.