Um a outro, bicho escroto, cai no chão (consciência)

De repente, não mais que de repente, um pingo escorre da cabeça de um aluno. Um pingo vermelho escuro como uma gota de moral que lança-se sobre o ar e mancha a folha branca do caderno. Desesperado o aluno coloca a mão no couro cabeludo, mas não encontra nada, nem sequer um furo, só gotas e mais gotas que caem até que o santo tomba no chão.

Sessenta e nove cabeças viram-se para o pequeno aprendiz ensangüentado, olham, pensam, mas não sentem nada.

De repente, não mais que de repente, uma moça se levanta com seus lábios trêmulos e por um momento uma cena cômica instaura-se no ar, como se o tempo tivesse parado, as cabeças olham vazias enquanto a moça de boca tremida se aproxima, preto no branco e vermelho. Ela beija o rapaz, provavelmente um amor que poderia ser mas não foi.

De repente, não mais que de repente, sem que ninguém percebesse um som vem do fundo da sala. Uma mulher está escorrendo e seus gritos por fim levantam cavalheiros que vão correndo lhe ajudar, mas eles também estão pingando. Distante disso a menina do moço morto chora sobre ele lágrimas de amor.

De repente, não mais que de repente, vendo a morte próxima, um santo arranca as calças de uma santa de proeminências curvilíneas e degusta-a carne, a boceta, as tripas e o sangue. E todos os animais vestidos do recinto servem-se da última ceia, uns mijam nos outros, outros se matam antes da hora, outros saem do armário.

De repente, não mais que de repente, um a outro bicho escroto, cai no chão como um espetáculo de arte febril de Tânato. Sobrando aquela menina sobre seu amante, chorando baixinho cantigas de amor. Alheia ao humano a sua volta, ela se levanta em meio a esperma, merda e sangue. Caminha lentamente para a janela, como se fizesse uma homenagem, ou um ritual macabro ao falecido, coloca honrosamente sua cabeça para fora, e num movimento brusco rapidamente puxa a manivela com toda sua força, esperando finalmente o fim do sopro, que infelizmente Deus soprou.