Esfomeado

Esfomeado

“Menino nojento, espião. Olha pra lá, trem. Não posso comer que esse troço fica olhando”. Dona Joana falava assim, com Zelito. O menino era tão maltratado que nem percebia mais quando ela ralhava com ele. Também, ele era espião mesmo. Não podia ver ninguém comendo qualquer coisa, que ele encarava a comida até chegar a boca da pessoa. Quando era comigo eu ficava até constrangido: “Quer um pedaço, zelito? “ “Não precisa não”. Eu odiava isso dele, A apesar de ter pena . Se não quer, pára de olhar.

Já percebi ele olhando até quando está de barriga cheia. Já virou um cestro, uma coisa feia, que ninguém consegue tirar dele. Só pode ser a criação de dona Joana. Deixou o menino besta e esfomeado Aqui na rua quando ele vem, se tem algum doce na mão, a gente come logo, senão ele vem com os olhos preguento dele na nossa comida. Da dó, mas fazer o que. Tem gente que assim, sem fundo.

Outro dia ele estava na minha casa na hora do almoço. Minha mãe nem gosta de gente lá nessa hora. “A comida já é pouca ainda trás mais”. Queria mandar ele embora, mas pegava mal. Quando serviu a comida, perguntou porque que no prato dele tinha só uma carne. Minha mãe olhou com uma cara. Vi no rosto dela a vontade empurrar casa. “Moleque mal agradecido”. Só falou isso na cozinha, baixinho. Ela nunca mostrava suas opiniões na sala. Se quiser saber o que ela pensava era só ir na cozinha. “Não trás mais esse moleque aqui”

Nem é eu que trago, é ele que vem. Nem a mãe dele gosta . Como minha mãe vai gostar. Tem dia que de manha ele já está em casa me chamando. Perguntando

Se a gente já tomou café e se sobrou pão. Só pensa em comida. Fica beirando a casa da gente só nos horários de comer. Quando não é de manhã, é meio-dia, na hora do almoço. Cria uma situação ruim. Porque minha mãe não quer dá comida pra ele. Fica na sala com cara de merda, todo mundo comendo e ele espiando. Minha mãe vezes é mal. Consegue ver ele espiando e não ligar. Fingir que ninguém tá olhando. Eu fico estranho, parece que nem estou na minha casa. Minha vontade é fazer igual minha mãe faz, mandar ele embora ou só vim nos horários que a gente não tá comendo.

É que as coisas da vida é muito dificil. Minha mãe vive dizendo que meu pai ganha pouco e que não vai sustentar filho de ninguém. “Se fosse só de vez em quando, mas todo dia essa arapuca” Acho que ela tem razão, porque ele vem quase todo dia espiar.

E ela quer que eu fale isso pra ele. Fico com vergonha, porque outras vezes eu comi na casa dele. Não todo dia como ele quer fazer. Fico morrendo de medo dele contar pra Dona Joana, que me tratou tão bem quando estava lá. Fico pensando um jeito de resolver as coisas sem machucar. Fico pesquisando dentro da minha cabeça porque que alguns meninos fica espião. Querendo tudo que os outros come. De não deixar a gente comer em paz , de fazer a gente ficar culpado de gostar da comida. Minha mãe fala que a hora da comida é hora sagrada. Que a gente tem que estar todo no prato. Não consigo fazer isso com ele mendigando mais carne ou querendo meus doces. A barriga dele

É como se não tivesse fundo. A comida cai e não chega a lugar nenhum. Ta sempre com fome. Nunca vi esse menino de barriga cheia. Nunca vi. Esta sempre querendo comer mais alguma coisa. A mãe dele chama ele: barriga de nós tudo. Acho triste mas é assim eu também vejo ele. Como um grande barriga, que quer tudo de gostoso do mundo.