Vergonha de Tia
Quando minha tia começou a usar aquelas roupas folgadas, ninguém entendeu. Uns vestidos grandes e coloridos. Foi engordando e não saiu mais de casa. No máximo, a janela aparecendo a metade do corpo. Não saia do banheiro . E quando ela vazia isso, minha mãe já baixava as vistas. Logo fiquei sabendo o que houve. Essa minha tia nunca tinha namorado. Um pouco velha já, os homens já não notava muito ela na rua. Não saia da igreja . Por causa da religião usava umas roupas que escondia tudo dela. Mesmo assim, apareceu prenhe. Foi assim que meu pai falou. “Marinalva tá é prenhe”. Não entendi muito. Só fiquei sabendo quando perguntei pra minha mãe e ela responder. “Seu pai é besta, não é assim que fala. Seu tia vai ter um Nêne”.
Minha tia jurava de pé junto que não estava grávida, que não tinha saído com homem nenhum.
Tudo dizia o contrário: a vomitadeira, a barriga cheia, os desejos estranhos. Até maçazinha no rosto apareceu. Nem dava pra acreditar como ele mentia com tanta cara de pau. Andava com as mãos na cintura, com a barriguinha na frente. Criava aquele constrangimento dentro de casa. Era bonito mais ninguém queria ver. Todo mundo passou a andar olhando pro chão. Só pra não olha a barriga de tia Marinalva.
Tia não saia pra luga nenhum. Como podia ela estar de Nenê. Ficou pesado em casa. Minha mãe chamou meu pai e colocou na parede. Ele ficou com muita raiva. Pegou forte o braço de minha tia dizendo: “Eu tenho alguma coisa a ver com isso? Tenho? Minha tia, coitada, não fazia outra coisa a não ser chorar. Se antes ela já andava com vergonha na rua, com aquele jeito de crente. Agora com que essa barriga, a vergonha era tanta que não saia mais pra nada.
Minha casa, que antes ficava vazia, começou a ser mais frequentada. Era tanta comadre que vinha. “Oi, comadre, tava passando. Passei aqui pra tomar um cafê”. Minha mãe dava aquele sorriso sem cor. “Entra, comadre e senta” Logo perguntava: “E Marinalvinha, como tá? Nunca mais vi ”. Minha mãe fingindo de besta já dizia que ela não estava bem esses dias e que estava deitada. Logo a comadre começava a fala das fofocas da cidade. Eu ficava ouvindo e olhava a cara de minha mãe impaciente e cheia de raiva. Não falava do ocorrido. Mesmo se perguntasse ela falava que era coisa do povo. Que tia estava só um pouco gorda. A comadre dava um sorrisinho insatisfeito e ia embora ainda com dúvida. Em casa só aquela sensação estranha, como se a qualquer momento fosse acontecer uma briga.
Ela era a mais velha das irmãs, mas a vida toda foi meio devagar. Besta , não sei. Foi passando o tempo e não fez nada da vida dela, não saia pra lugar nenhum, não trabalhava. Costurava quase o dia todo e a noite ia pra igreja. Uma vez ou outra fazia alguma coisa que prestasse. Fazia roupas de bonecas pras meninas da rua, que lhe dava qualquer centavo. Vivia assim. Quando chegava da igreja ia pra televisão até o sono chegar. Por isso todo mundo estranhou essa barriga. E como minha mãe não queria que ninguém soubesse da verdade, obrigou a pobrezinha a ficar só em casa e não conversar com as visitas.
A tristeza dela só aumentava, porque minha mãe não desistia de saber quem era o pai. Ela não contava, o que deixava meu pai numa situação complicada. Até ele que não é muito de se mexer queria logo também saber. Minha tia, coitadinha, com a voz rouca e chorando falava que não era de ninguém, que não tinha feito nada. Minha mãe, com brabeza de sempre, puxava o braço dela gritando que morando na casa dela, tinha a obrigação de contar. Ela só sabia ficar muda.
Uma vez minha mãe falou de um jeito que não entendi: “Se você não contar vai ter que emagrecer. Porque essa bucha eu não vou engolir”. Tia andou até o quarto com um andar tão de dor. Chorando baixinho, com as lágrimas bem grande escorrendo até a boca. Meu coração quase derreteu nesse dia. Depois disso, minha mãe foi pra cozinha e, cortando tomate, também chorava, mas de raiva e de vergonha. Dizia alto pra quisesse ouvir que filho só pode ter quem tem marido. De outro modo era indecência.
Assim as coisas foram passando. Minha tia ficando maior e minha mãe cada vez menor. O filho nasceu depois de um tempo. Com o bebê, não tinha mais como esconder. Estava feito, tínhamos que conviver com isso. minha tia estava mesmo prenhe o tempo todo e minha mãe, ficou parecendo um talo de capim.