A JANELA
Um senhor, de olhar melancólico, olhava através da janela. Durante algum tempo, ao passar sempre pela mesma rua, eu o observava naquela casa antiga. Era um asilo. Muitas pessoas viviam ali, mas só aquele senhor chamava a minha atenção. Seu olhar triste e distante me fazia pensar no que poderia ter sido a vida daquele homem.
João Antônio desde menino era agressivo e mal humorado, maltratava animais e pessoas. Arrogante, egoísta e vingativo. Tinha apenas a esperteza como virtude. Cresceu sem mudar seu comportamento. Só piorou com o tempo.
Toninho, chamado assim por sua mãe (Que Deus a tenha!), era um jovem atrevido e tinha a sabedoria de um asno, mas sua esperteza o fazia brilhar. Seus olhos azuis eram sua grande aposta. Tinha certeza de que o dinheiro e a descendência italiana o levariam longe. E levaram...
Em 1976 tornou-se empresário importante em sua cidade. Uma empresa que não era "colorida". Ele tinha orgulho disso. Casou-se com uma enfermeira de família tradicional paulista. Teve três filhas com a esposa e reza a lenda que teve a quarta com uma amante. Nada foi provado. O nariz e os olhos como os dele, mas nada foi provado.
Passei a visitar a casa de repouso, cujo lugar era o lar daquele senhor sofrido. Procurei me aproximar e saber mais sobre ele. Suas histórias eram contadas enquanto um negro alto e prestativo posicionava suas pernas no suporte da cadeira de rodas. Seus olhos tinham uma cor acinzentada. Um cinza apagado e dramático.
As filhas crescem sob o forte comando do pai tirano. Nada de passeios. As escolas e faculdades são escolhidas por ele, inclusive os cursos. Ninguém pode usar o sobrenome da mãe, para isso, o ponto. Sim, Antônio exige o uso do ponto final depois da letra "N". Não se deve dizer o nome completo. Apenas “N.”.
Carla fez o curso escolhido pelo pai, na faculdade também por ele escolhida. Isso mantinha João Antônio no comando, mas não por muito tempo...
Aniversário de Carla e somente a família e amigos mais próximos foram convidados. O pai chega por último e como sempre de cara feia, cumprimenta os convidados, mas não reconhece um deles. Sua filha então surge com um copo na mão e oferece ao desconhecido. João Antônio aproxima-se e pergunta sobre o rapaz sem olhar na cara do mesmo. Carla o apresenta como seu namorado. Toninho fica transtornado. Começa a gritar palavrões e expulsa o namorado da filha. Ela não o deixa sair e corre para a sacada do apartamento que fica no décimo andar. Ameaça se jogar, enquanto o pai grita que irá matar o rapaz. Os convidados fogem assustados e somente a família permanece no local. Chegam o resgate, o SAMU e a polícia. Um vexame. No prédio de classe média alta, a vizinhança olha através da cortina. Carla grita que vai pular e exige que o pai saia do apartamento. Os enfermeiros conseguem convencê-lo a sair. Toninho vai para a casa da mãe. E lá fica por muito tempo. Muito mesmo. A esposa aproveita a situação e não o deixa voltar. Diz que será melhor esperar as coisas se acalmarem. A filha conseguiu fazer o que ela nunca teve coragem.
No trabalho os funcionários sentem a ira do patrão. Escolhe alguém para descarregar sua raiva. Demite e castiga. Blasfema. Quebra e chuta coisas.
- Quem quebrou a torneira? - sem resposta.
- Vou achar quem quebrou! Quem fez isso morrerá de câncer!
Sua mãe e irmã agora são as anfitriãs ou vítimas de João Antônio. Elas ligam para esposa e pedem que o aceite de volta, mas ninguém mais o quer.
Aos amigos, Toninho chora e relata a ingratidão da família. Tanto que fez por todos e agora está abandonado, dormindo em um colchonete no chão da sala de sua mãe. Mãe que também é ingrata, pois o culpa pela morte da tartaruga que ele colocou sob a roda do carro antes de dar a ré... Afinal pra quê serve aquele casco? – pensa Antônio
Escutei a história do rapaz negro que parecia fazer parte dela. E faz. Contrariando a vontade de João Antônio, Edgar, médico geriatra da clínica de repouso, casou-se com Carla e apesar do "colorido" de sua pele, cuidava de Toninho tão bem. Suas feridas eram bem limpas e medicadas, mas mesmo com tanto cuidado o sogro já não reagia mais às sequelas da doença a qual ele praguejou à quem quebrou a torneira.