Uma carta de Janestian Mouis

Querido amigo

Desculpe a demora em te escrever. Sei que faz tempo. Estava esperando uma grande notícia, algo que justificasse essa carta. Em anos não apareceu nada. Absolutamente nada mudou desde que você foi embora. Tive medo de você achar que havia te esquecido. Mas imagino eu, e quero acreditar nisso, que uma carta é pra relatar notícias ou algo novo que venha a causar alguma mudança. No entanto, nada aconteceu. E por medo de que venha esquecer nossa a amizade ou que a trate com descaso, desprezei a regra e te escrevo.

A única novidade que tenho é que te escrevo essa carta. Estou numa cadeira confortável, escrevo de caneta vermelha, desculpe se isso parece desrepeito. Tive preguiça de comprar uma azul. A letra que consigo nesse momento é de pouca forma, um pouco desleixada e sem muita vontade. É que a falta de assunto me tira

a vontade de caprichar. Minhas mãos dói durante a escrita. Não sei o motivo. Quero pensar que seja por razões fisiológicas e não psicológica, o que deporia a respeito de meu apreço por você. E não quero que tenha dúvidas. Longe disso, meu apreço por você é grande, já que te escrevo sem ter absolutamente nada pra te dizer, nada que venha a lhe acrescentar ou refrescar as lembranças que ainda tem desse lugar.

Minha coluna doi nesse momento. Ficar ereto ou debruçado sobre a escrivaninha me é muito forçoso. Há tempos que não faço essa concessão a ninguém. Isso mostra mais uma vez o grande valor que te tenho. O frio que entra pela janela, que por descuido deixei aberta me faz tremer. Fato que me apreça a terminar. Já que como sabe, gosto de conforto e das temperaturas agradáveis.

O papel é lindo, linhas forte e bem cuidadas. Uma série especial projetada por ecologistas. Menos celulose e mais serragem, o que torna o aspecto grosseiro, mas inteiramente bonito. Se, claro, você levar as imperfeições como parte insolúvel de algo que seja realmente belo. Pensei em usar outro papel, mas confesso que quis te impressionar. Deixar a carta diferente, mais próxima da realidade de hoje. Se não tenho notícias a te mandar, tenho os meios que estão em voga hoje. O que torna a gente perto um do outro. Já que de alguma forma, vivenciamos os mesmo recursos.

Nesse instante estou impaciente, uma fadiga me aperta, quero logo encerrar o assunto, fechar a carta. Mas ainda acho pequena, de poucas linhas. Quero esticar mais. Não quero que pareça um simples bilhete, ou algo que esconda apenas a vergonha de lembrar tão pouco de você. Quero que seja grande. E a falta de assunto torna essa tarefa muito difícil. O que me faz prosseguir, mesmo sem razão, é a lembrança que nutre tantas experiências que vivenciamos. Não quero falar delas porque são as mesmas pra você. E não convém torcer o passado, como se torce roupas, pra ver se conseguimos algo a mais dele.

De tudo que escrevi, vai concluir o óbvio: Estou vivo. Já que mortos não pode escrever. No mais muita saudade. Vou encerrar, porque a falta de vontade se tornou, nesse momento, tão significativa, como a falta de novidade. Não sei se uma vive sem a outra. Então entenda esse gesto, que achei bonito e fico sem graça por isso, como uma forma de generosidade e da imensa gratidão por termos, juntos, vivenciados, as mesmas experiências.

De novo, não quero filosofar a respeito de que nada mudou. Tem épocas que acontece muito e tem aquelas que o tempo se congela. Quero aceitar isso como natural e não vou forçar nem imaginar coisas pra preencher minha escrita. Isso mostra que continuo firme na imensa sinceridade que sempre fez importante nossa amizade.

Um grande abraço e torço que aconteça algo que justifique uma carta mais longa e carregada de noticias. Por enquanto nada mudou. Um abraço.

Do seu amigo

Janestian Mouis