Porta Aberta(EC)

 
Ela se acostumara a dormir com a porta da rua aberta na casa da avó, que nunca a trancava. Colocava uma cadeira como encosto porque gostava de ouvir o barulho da porta se abrindo e empurrando a cadeira quando os filhos chegavam. Pelo tipo de barulho feito pela cadeira ao ser empurrada ela reconhecia o filho que chegava. Só quando o último entrava a avó finalmente dormia tranqüila. Ela nem isso fazia, apenas fechava com o trinco e ia  dormir sem a menor preocupação. Afinal, quem iria entrar em sua casa se ninguém mais morava ali, naquela cidadezinha perdida na escuridão do mundo?

Naquela noite quando ouviu o barulho provocado pelo girar da maçaneta se assustou. Tinha o sono leve e por isso acordava ao menor ruído, mas não ouvira passos se aproximando e nem os seus cães sempre atentos a presença de estranhos fizeram o menor barulho. Ficou ali, imóvel e calada, com medo de mexer na cama e fazer algum movimento que chamasse a atenção de quem quer que fosse que estivesse ali. Pensou em se levantar, mas não teve coragem. Sentiu que alguém levantava a cortina de chitão que separava o quarto da sala, apenas sentiu porque a escuridão não faz sombra. Quando sentiu que a cortina voltava ao seu lugar, puxou o edredon de algodão que ela mesma fizera e cobriu a cabeça, atenta aos ruídos da casa. Passos bem suaves se dirigiram até a cozinha e ela ouviu a porta do armário acima da pia ser aberta e fechada. Ouviu a água caindo da torneira e o silêncio que se fez quando a torneira foi fechada. Os passos voltaram para a sala e por um momento ela pressentiu que estava novamente sendo olhada. Depois, a porta da rua foi novamente aberta e fechada, suavemente, como se alguém muito cuidadoso não quisesse acordá-la. Ouviu ainda o portãozinho de madeira que separava seu jardim da rua sendo fechado, apenas fechado. Quem estivera ali tinha-o deixado aberto quando entrara.
 
 
Acordou quando o sol já brilhava e seus raios penetravam pelas gretas da janela. Os barulhos do dia estavam todos ali, protegendo-a. Levantou-se molemente, imaginando um sonho estranho, um pesadelo. Quando entrou na sala ficou paralisada. Em cima da mesa, seu enorme jarro de louça branca estava cheio de flores coloridas - as flores do seu jardim que ela nunca cortava. Ainda sem acreditar no que via, abriu a porta e foi ver o jardim: todas as suas flores tinham sido cuidadosamente cortadas. Nenhuma flor mais vivia ali, só o verde das folhas continuava intacto.

A partir desse dia passou a trancar a porta com chave, providenciou tranca de madeira além de colocar uma cadeira atrás da porta. Fez o mesmo com a porta da cozinha e ainda permitiu que dois de seus cães mais bravos dormissem dentro de casa. Ele vai ver quando voltar, dizia ela em voz alta para os seus botões.