SAGA DE RETIRANTES
Depois de tanto tempo ainda continuavam ali. A cama, a mesa, a cozinha,a sala e o quarto,o lar agora era a calçada. Sobre as folhas de jornal pai e filho,remanescentes de uma família de onze pessoas, o resto morreu de fome e de doença.
Compadecido muitas vezes Chicão pode ouvir o filho dizendo:
_ Pai, ainda vou ser estudado, serei um doutor formado e te darei muito orgulho! O velho ia escutando e fingindo acreditar; vendo o filho chorando as lágrimas saltavam-lhe dos olhos, de repente estavam os dois em pranto.
Os transeuntes ao passarem desviavam-se evitando o confronto. Aquela cena não era a mais desejável de se ver. Pai e filho esparramados sobre a calçada em meio a um amontoado de jornais velhos mais pareciam doença, feito AIDS ou Câncer, que se evita a todo custo. Nem ao menos um olhar lhes era dispensado.
Às vezes eles se lembravam da casa de pau á pique de quando eles trabalhavam na fazenda do patrão. Lá eles trabalhavam duro de cedo até o escuro, sem nem poder descansar. As mãos mais pareciam um leito de rio seco com tantos calos.
Com todo o suor de seus trabalhos o fazendeiro se enriqueceu, mas ele mandou Chicão embora quando o vaqueiro ficou doente. Com o dinheiro que ele deu pai e filho pagaram o Pau-De-Arara e ai vieram para São Paulo. Ali passaram fome, e ás vezes quase se ensurdeciam escutando o estômago roncar.
Um dia ao cair da tarde, quando Chicão olhou de lado o filho tava esticado sobre as folhas de jornal.
O rosto inerte de pai transbordava de tristeza, o seu derradeiro filho morto ao seu lado, Zequinha morrera à míngua, sabe-se lá de que, se fome ou de frio. Quem sabe do descaso ou da indiferença humana.
Já caia a noite quando o Chicão arrancou da bainha a velha faca que sempre usara para picar o fumo do seu cigarro de palha, apoiou o cabo dela no concreto da calçada, deitou de barriga para baixo, colocou o peito sobre a ponta da faca, mirou bem no rumo do coração, soltou todo o peso do corpo, forçou o mais que pode de encontro ao objeto cortante. Não houve dor naquele ato bizarro.
Quando o sol novamente surgiu os corpos jaziam inertes sobre a calçada da Avenida São João por onde os Paulistanos transitavam indiferentes e alienados.
Os indigentes ali esparramados protestavam, no mais profundo silêncio. Junto aos corpos um pedaço de jornal reluzia ao sol, no qual lia-se em destaque a manchete: “ Brasil: um país de todos”.
Saulo Campos
Itabira MG