Uma irmã que pensava com criança.

UMA IRMÃ QUE PENSAVA COMO CRIANÇA.

Conto de Honorato Ribeiro.

Na década de 1975, morava aqui em Carinhanha, uma irmã sanfranciscana, junto com outras irmãs. Morava à rua 21 de Abril, e era a minha vizinha. Muito boa, alegre, prestativa, solidária. Era baixinha de 1.60m. Um dia, como de costume, eu levantei cedo e fui à padaria comprar pão. Quando ia já perto da padaria, avistei a irmã vindo da padaria, sem pão, a correr desesperadamente como se estivesse correndo de um bicho; com os olhos arregalados e passou por mim numa rapidez como uma bala. Eu me assustei e voltei às pressas para saber o que teria acontecido. Chegando lá, entrei e vi a irmã sentada, sem fôlego, o coração quase a sair pela boca e lhe perguntei:

-O que aconteceu com a senhora, irmã?!

Ela me respondeu: A minha história é longa e complicada, seu Honorato...

-Mas me conta. Talvez eu possa lhe ajudar.

-É difícil, seu Honorato, mas vou lhe contar o que aconteceu: Eu fui criada com a minha avó, que era analfabeta. Como eu era uma garota peralta e gostava de ir à rua, a minha avó colocou em minha cabeça que na rua existia uns homens pretos de dentes agudos que pegava menina e punha no saco e levava pra casa pra comer. Quando eu saia com ela para a rua fazer compras e avistava um homem preto ela me dizia: Olha ali, aquele homem comedor de menina. Agarre em mim, senão ele lhe pega pra comer. Eu agarrava na saia dela apavorada e acreditava no que ela estava me falando. E assim ela me amedrontava constatemente com essa história. Eu não tive infância, pois ela não deixava eu sair pra brincar na rua com outras garotas. Ela tinha preconceito a homens negros. Eu fui crescendo com uma criança dentro de mim, ouvindo sempre a minha avó dizendo as mesmas histórias. Cresci e hoje eu sou uma irmã. Sei que isso não é verdade, mas essa história de menina de três anos, posso lhe dizer: ainda sou.

-Mas, irmã, a senhora não foi a um psiquiatra? Um psicólogo?

-Já fui várias vezes e até mesmo ao psicanalista, mas não me curei.

-E hoje, o que aconteceu que a senhora foi comprar o pão e voltou correndo assombrada?!

-É que me deparei com um homem preto e me transformei em uma criancinha de três anos, ouvindo a minha avó a me dizer: Olha aquele homem preto, pegador de menina pra comer!...Não consigo deixar de ouvi sempre a minha avó falar isso.

-Que história triste, irmã! E quando a senhora vai à igreja e encontra algum homem preto? Eu procuro uma bancada bem longe dele e me concentro em Jesus e tudo fica bem. Mas se eu deparar com algum na rua... Meu Deus! E deu para chorar. Eu peguei um copo de água e dei pra ele se acalmar.

Realmente, todos nós carregamos uma criança dentre de nós mesmos: Criança bem criada e educada; cria mal educada e doente.

hagaribeiro. 30-04-2011.

Zé de Patrício
Enviado por Zé de Patrício em 30/04/2011
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