Cristal

Sou mulher. Às vezes minto. Não porque goste ou não tenha caráter, mas por absoluta falta de opção. Como dizer a verdade se ela vai magoar, ferir? Como dizê-la sem escandalizar a todos e a mim mesma? Sem preparação alguma, tornar-me outra pessoa?

Apresentar uma outra face de mim?

Sempre tive sonhos previsíveis, aceitáveis, conhecidos. Que personagem é esta que agora me invade e quer mudar tudo que sei de mim, trocar meus planos por outros?

Minto. A verdade é por demais devastadora, contraditória, infame!

Minto. Não quero conhecer a outra.

Minto. Não quero ser outra.

Sempre acreditei que era assim: bonitinha, comportada, amiga, companheira... Medíocre!

Minto. Espremo a outra com todas as minhas forças para dentro de mim. Fecho-lhe a boca, tolho seus sentimentos, crio um mundo em que ela não pode respirar. Mato-a sem dó, todos os dias.

Minto, mas venço! Não sou assim tão frágil! Iludo todo mundo, iludo a outra... Iludo a mim

VALERIA DA SILVA
Enviado por VALERIA DA SILVA em 15/04/2011
Reeditado em 19/01/2021
Código do texto: T2910558
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