A boneca de olhos de vidro...

Seu maior sonho: ter uma boneca. De vitrine. Loura, cabelos longos. Vestido de cetim. Laços e fitas. Rosada. Feito uma sueca. A amiguinha tinha uma dessas! Certa vez trouxe-a para casa. O pai, desconfiado, quis saber de quem era. Ela engasgou. Remendou. Disse que a amiga havia lhe emprestado... o pai, pobre, honrado,pediu que ela imediatamente levasse-a de volta. Serviu de lição, para o resto da vida. Como recompensa o pai fez-lhe uma surpresa: comprou-lhe uma bonequinha linda, porém, modesta, o que o seu bolso alcançava. Ela ficou feliz. Muito feliz. O sonho permaneceu. Casou-se. Foi morar no campo. Vendia ovos caipiras pra juntar dinheiro e comprar a boneca de seus sonhos para as filhas. O dinheiro nunca alcançou. E o sonho martelava sua cabeça. Vieram pra cidade. A filha cresceu. Estudou. Comprou várias bonecas para a neta. Um dia ela lhe pediu uma. A filha mais que depressa foi e lhe comprou . Não deixava ninguém brincar com a doce bonequinha, que ficava à vista na estante da sala de visita da casa simples, de madeira, enegrecida pelo tempo. Ainda não era a de seus sonhos. Mas, apegou-se a ela, como um cão de rua ao seu adotante! A idade chegou. A doença devastadora também. Foi para a casa da filha. Que a tratou como a uma rainha—assim dizia ela a sua irmã Carmem, madre superiora. A filha queria distraí-la. Queria animá-la. Queria tirar-lhe aquela dor infame. Aquela sombra implacável. Aquela hora medonha. Aqueles últimos momentos aqui neste mundo de ilusão. E lhe fazia de tudo—inutilmente-- tudo! Pegou a mais bela boneca de sua filha: vestido de bolinhas, blusa de organza branca, toda rendada, olhos de vidro azuis, como o céu, que abriam e fechavam, um encanto! E correu para presenteá-la. Ela olhou pra boneca. Uma lágrima saltou de seus olhos verdes, já sem a mínima esperança, e escorreu sobre seu rosto murcho, pálido, sem vida. – Filha, disse ela , com a voz embargada, a mãe não quer brincar...

Benvinda Palma