O MILAGRE...
Era uma mulher simples. Do Campo. Sem instrução. Nove filhos para alimentar. Cuidar. Educar! Água tirada do poço profundo. Quilos e mais quilos de roupa na tina, quarando ao sol. O marido, homem bom, justo, apaixonado! Às vezes, intransigente. Cético, idolatrava apenas “IA”, como carinhosamente chamava sua mulher, Maria. Lidavam com a terra, com a roça, com o café, o arroz, o feijão, de onde tiravam o sustento de seus filhos. Maria nascera com uma missão. Com um dom, especial, de Deus . Ela nem sabia. Acontece que , rezava para os filhos e a dor passava. Rezava para o marido e a dor passava. Rezava para os parentes e dor passava. Rezava para os vizinhos, e a dor passava. Só que, ironicamente, tudo passava para ela! Após o “benzimento” , tremia, suava, o corpo todo doía, os olhos lacrimejavam. Mas, Maria nem se importava—passava logo, dizia ela. Maria sabia de todas as ervas: espada de São Jorge para mau olhado, o temido olho gordo, poejo ara secreção, alecrim, para o coração,, erva de São João para tristeza, pra sarampo, flor de sabugueiro. Erva de Santa Maria pra contusões, dor no peito, chá de flor de mamão para tosse, chiado no peito da criança. Pra lombriga, chá de hortelã, de arruda, pra enxaqueca, batatinha ... e por aí afora.....conhecia como ninguém a homeopatia, as simpatias, o coração humano ! E, com isto, uma avalanche de doentes recorria a ela, com quaisquer problemas de saúde que fossem: dor de barriga, de cabeça, nas costas, do lado, no dente, insônia, susto, ar, mal jeito nos ossos, prisão de ventre, falta de regras, como assim dizia o povo simples, referindo-se à menstruação, ressaca, quebranto....desilusões amorosas, desemprego, para tudo Dona Maria tinha uma solução. Chegavam a levar o cavalo pra ela benzer! E os doentes eram muitos. E não paravam de chegar! Maria Largava todos os afazeres para benzer... às vezes atrasava até o almoço. O pobre marido chegava cansado da roça, com fome, não podia mesmo compreender aquela romaria em sua própria casa. ... era um Deus nos acuda! Crianças que iam e vinham, pisando, arrancando as flores do jardim, maltratando os pequenos animais, E, dona Maria, tão boa, tão santa, não sabia maltratar ninguém. E morria de medo que assim o marido o fizesse . Certo dia ele chamou-a num canto e lhe deu um ultimato:-- Maria, ou eu ou você com seus malditos benzimentos! ... -- Não dá mais pra suportar esta peregrinação. Não temos mais sossego. Paz, nem espaço pra tanta gente! Maria –depois de muito sofrer -- prometera que iria parar -- aos poucos – dizia ela , -- como deixar as pessoas com dor, ao relento? Não podia fazer isto! Seria uma ofensa a Deus! . Uma falta muito grande de amor! Naquela noite não conseguira pregar os olhos. Rolava seu corpo pesado, exausto, de um lado ao outro da cama, em seu colchão de palha de milho macio. Levantou-se. Bebeu água, andou de lá pra cá. Deitou-se novamente, quietinha para não acordar o marido. Queria reencontrar o sono, perdido em pensamentos e desolação! Qualquer simpatia seria inócua! ... Santa de casa não faz milagres! Tentou mais uma vez. Nada! Tinha ido para bem longe... Então, dobrou os joelhos junto à imagem de Nossa Senhora e pediu-lhe um sinal. Não queria magoar o marido porém, parar de curar os seus doentes, seria decretar a sua morte! Suplicou-lhe que mostrasse o caminho certo. Ficou ali, firme, olhos pregados na imagem da Virgem! Em profunda comunhão. De repente, seu braço começou a ficar branco.-- Como um gesso, contava ela. -- Mas, não era um branco comum, era um branco especial, que brilhava , diáfano, resplandecia! Depois, as mãos, e assim ficou todo seu corpo. Assustada, chamou o marido. Este olhou-a, mais assustado ainda... cobriu a cabeça. Nem respirava ! E nunca mais questionou as rezas de Dona Maria...
Benvinda Palma