A Abadia

A Abadia

por Pedro Moreno

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De dentro dos muros de pedra escura do que outrora foi uma vila, um grupo de monges ganharam de seu rei o terreno e com muito trabalho cresceram com seu o mosteiro. Aos poucos aqueles fervorosos de coração vieram e quando número se satisfez o local ,outrora pequeno, ganhou a dimensão de Abadia de Highmoutain.

Depois de cem anos o aspecto lúgubre não mudou muito. As pedras continuam cinzentas e agora com a ação do tempo e da eterna ventania não melhoraram seu aspecto em nada. O vento que corta sudoeste, dizem os monges, que é o próprio hálito do Mal. Nunca para e prega peças em seus habitantes seja arrancando roupas do varal e em alguns casos extremos derrubando postes que carregam os lampiões responsáveis pela iluminação noturna.

O caminho para a abadia é difícil, tanto espiritual quanto físico. Ladeado por pedras de formas redondas e com uma ponte nem um pouco confiável, o primeiro obstáculo é o Rio King Jeremiah, suas águas turvas e rebeldes arrancam gemidos de senhoritas e inspiram medo nos homens. Cair é fatal.

Passado o desafio das águas chega a floresta de Queen Annah. Dizem que Succubus habitam o local e com sua malícia tentam os homens mais puros de coração e alma. Fora os terrores reais dos javalis selvagens e pequenos felinos sedentos por sangue da humanidade.

Se o candidato conseguir passar por esses desafios terá que subir a colina. Pode parecer fácil, mas as lendas contam que Mephisto desencoraja os homens prometendo riquezas inimagináveis.

Apesar de todos esses obstáculos profanos, Aludra conseguiu. Descalça com seus lindos pés cor de terra a tocar a relva desesperados por sossego. Fugitiva de uma caravana que a levava como escrava, a moça conseguiu se desprender de seus grilhões e fugiu. Correu o mais rápido que pode e por todos esses obstáculos passou até conseguir enxergar a Abadia no alto da colina.

Sem mais forças ela desmaiou na frente do portão.

Bento viu o sol que despontava no horizonte, era hora de desligar os lampiões, pegou seu abafador e saiu em direção aos postes, porém quando abriu a porta levou um susto. Uma garota maltrapilha de cor de madeira escura prostada em frente a ele. Ele abaixou-se em direção ao rosto dela e afastou uma madeixa de cabelo. Respirava. Ela está viva! Ele correu até o abade.

Logo que a garota foi trazida para dentro, os outros monges se amontoavam curiosos. Eram raros os visitantes, pior ainda são mulheres. Por pouco o Abade Bernardo não deixou a pobre coitada encontrar seu próprio destino nessas terras ermas, trazer uma mulher para a clausura poderia disseminar o pecado entre os homens. Porém ajudar os outros é uma virtude que não pode ser desprezada ou diminuída.

O único a ter acesso a moça enferma e febril era o Abade e Matheus, o único com conhecimentos de boticário.

Quando Matheus a viu pela primeira vez um turbilhão de pensamentos lhe subiu a mente, principalmente lembranças de sua vida pré-monástica. Quando tinha uma casa aberta para negócios onde vendia suas ervas e poções para a cura de todos os males. Seu maior trunfo foi ter descoberto uma substância retirada de um cogumelo que tirava por completo os pudores das mulheres. Como ele era feliz...

Seus pensamentos se perdem quando a moça se mexe. As cobertas parecem ser muito pesadas, pois ela as afasta e desnuda seu colo. Matheus dá um suspiro e uma gota de suor desce por sua testa quando ele deslumbra o começo da curvatura do corpo da moça. Com as mãos tremendo ele puxa de volta para cobri-la. O alívio vem e logo se vai com a moça puxando a coberta até a altura do umbigo revelando seus seios. O monge se afasta até a porta sem conseguir desgrudar os olhos dela. Quando afinal cria coragem passa pela porta e a tranca.

Matheus apenas cria coragem quando a noite aporta. Ele espia pelo buraco da fechadura e vê que a garota está sentada na cama e vestida.

A noite inteira o monge rezou pela sua alma, mas não adiantou. Apenas o chicote pesado contra a sua carne conseguiu purifica-lo do pecado. Agora com a visão da garota acordada seus temores espirituais voltavam junto com os tremores físicos.

- Onde estou? – perguntou a moça.

- Na Abadia de Highmountain milady Meu nome é Matheus.

- Preciso voltar para casa.

- Se precisar, uma caravana chegará semana que vem e irá até a próxima cidade. De lá você poderá tomar seu rumo.

- Foi você que cuidou de mim esse tempo todo?

- Fui eu – respondeu o monge esgasgando.

- Pensei que era um anjo, obrigado – disse a moça pousando sua mão sobre a dele.

Quando chegou a noite, o monge voltou a se chicotear.

No outro dia Aludra já conseguia andar. Como precisava de um banho pediu permissão para o Abade para que um dos monges a acompanhasse para fora da clausura até o caminho do riacho atrás da abadia. Bernardo consciente do quanto Matheus andava fora de seus serviços religiosos, mandou Paulo conhecido por sua fé feita de aço.

O monge e a moça desceram a colina e em uma hora encontraram o riacho. Ela para em frente a água e olha em direção ao monge esperando que ele se vire. Ele percebe e senta em uma pedra de costas para a moça. Ela despe de sua roupa e sua pele morena mais uma vez vê o sol que parece sorrir. Aludra entra na água e relaxa.

O monge permanece de braços cruzados olhando para o horizonte. Algo lhe toca os pés e Paulo se assusta. Uma cobra singra pela grama em direção ao rio onde a donzela está. O monge corre em direção ao réptil e pisa em sua cabeça antes de que a besta atinja a água. Ele sorri de satisfação por sua agilidade.

- Obrigado – diz a moça que até então estava paralisada de medo – você é meu herói.

Paulo acena com a cabeça e volta para sua pedra. Porém antes de chegar nela houve um barulho abrupto de água, ele se vira com medo de que a moça tivesse caído, mas se depara com Aludra saindo tal qual Afrodite em uma versão de ébano. A visão deixou o monge parado em seu local sem reação. Acostumado com os monges pálidos e soturnos, a garota é o inverso, tem a sensualidade gravada em sua pele sedosa, seus cabelos se mexem ao vento tal qual o trigo na ventania úmida.

As coxas grossas e firmes destacam uma provável bailarina. Não de muito sucesso, tendo em vista que essas profissionais da dança mal tem o corpo de uma criança e Aludra invoca sensualidade só de existir.

Ela tenta tampar suas partes porém o monge parece enfeitiçado. Ela se veste como consegue sob o olhar do religioso petrificado, que só volta a se mexer quando ela está novamente com roupas.

Os dois voltam em silêncio.

Matheus está se punindo com seu chicote quando lhe batem a porta. Ele se veste apressado e vê o Abade. Os dois seguem apressados até o quarto de Paulo que se trancara há uma hora atrás, mais precisamente quando voltou de ter levado a moça. Os outros monges viram um filete de sangue escorrendo pela porta e avisaram.

Enquanto o abade espera do lado de fora um grito de dor vem do quarto de Paulo. Matheus sai com suas mãos ensaguentadas. Em tom de confissão o médico explica que seu colega tivera uma ereção e não conseguia parar de tê-la. Desesperado ele cortara seu pênis fora.

Mais tarde em sua clausura Bernardo se preocupa com os moradores da Abadia. Desde que chegara Aludra os monges tem tido comportamentos estranhos. Com a lua como testemunha o Abade passa pelos corredores vistoriando se algo errado acontece. Ele vê ao longe a figura de Fausto, conhecido por sua silhueta que lembra um tonel de vinho.

Matheus se aproxima com cuidado para não ser notado. Fausto está com um olho pregado no buraco da fechadura do quarto da moça. Ele para atrás do monge e tosse. Fausto, flagrado, nada diz, apenas se retira para seu quarto.

O Abade fica um tempo na frente do quarto da moça montando guarda. Em pouco tempo diversos monges aparecem e fingem só estar passando. Matheus fica fulo só de pensar que esses tarados todos vieram espiar Aludra. Porém ele não consegue entender o porque. Resolve olhar pela fechadura e vê que a garota não é fã de dormir com roupas ou sequer coberta. O brilho da lua ilumina seu corpo de forma espectral fazendo-a parecer uma estátua de mármore negro. Uma deusa pagã da volúpia e desejo.

Matheus percebe o que faz os homens agirem de forma estranha. Sua figura provoca a fé dos mais severos e incita ao pecado os mais fracos. Essa mulher é a encarnação terrena do próprio demônio.

O Abade segue a passos rápidos até o jardim interno e agarra uma tocha. De onde está ele lança contra a porta de Aludra, porém o fogo encontra com uma cortina que susteta a chama até a armação de madeira do monastério. Os monges começam a acordar para tentar apagar o fogo que se alastra de forma rápida.

A Abadia pega fogo. Muitos não conseguiram acordar a tempo e morreram em seus quartos intoxicados pela fumaça. Outros encontraram sua morte carbonizados, e alguns poucos tentaram pular pelas janelas altas e não resistiram a queda. O abade também encontrara seu fim quando suas vestes pegaram fogo. Morreu no chão olhando para Aludra que fugia de seu quarto e ganhava a saída da abadia sem um arranhão sequer.