TRICOTEANDO
Era madrugada quando a professora de História, pondo-se à mesa, afastou a cadeira e, em meio a arquivos mofados, entregou-se aos desejos literários. Resolvida então a dissolver o líquido da taça de vinho, que havia bebido há alguns minutos, em versos serrados, dedicou toda sua vontade e cada detalhe à descrição do seu amado.
Chorando lágrimas cristalizadas, ela surtou em poesias e diante de um gole sufocante de vinho se viu louca de amor e gritou desesperadamente por tarjas pretas, na ânsia de alívio imediato para sua dor.
Já cansada, entre soluços e bocejares, adormeceu, em meio aos prantos, e sonhou com folhas secas que se desprendiam do limbo e suicidavam-se por falta de fotossíntese.
Na aurora, o sol tímido dava sinal dos seus reflexos, em espectros magnéticos, que refletiam o seu rosto amarrotado de papéis e tinta. Depois de se espreguiçar, ela andou até a cozinha, preparou um café forte , amargo e quente, pôs na xícara uma colher de açúcar, na esperança de adoçar o dia, e diante de um impulso de percepção, queimou a sua língua.
Após o café, foi à janela da varanda, debruçou seu corpo ao pegar o regador e rega, a amor, a rosa que preferiu o cravo. Cheia de sol e de si, saldou a nova manhã, que exalava aroma de maçã, e aliviou sua pele. Foi até o banheiro, no intento de tirar de si o resto de sal deixado pelas lágrimas daquela madrugada, esfregando seu corpo com as mãos que um dia sentiram toda a essência daquele amor febril.
Dirigiu-se até a sala, sentou-se em sua poltrona de palha de buriti e, ainda dopada por tarjas pretas, começou a borda sua vida com agulhas inflamadas que infeccionaram seu coração e, tricotando lembranças, arrematou os pontos, fechando o ciclo do último romance, entregando-se então à arte das folhas, versos e rimas.
Inspirado nos textos de Gianne Duarte