À espera

Era quase meia-noite.

Dentro de um quarto, iluminado somente pela luz da lua, estava um homem deitado numa cama. Ele estava praticamente imóvel. Com muita atenção de nossa parte podemos perceber que está vivo por conta do som de sua respiração.

O rádio está ligado. O locutor avisa que vai começar o programa de jazz, mas o homem parece não dar atenção. É como se ele estivesse aguardando o momento final.

Começou o programa de jazz. A música parece não entrar no ouvido dele. Está distante dali. Não sei dizer ao certo aonde aquela pessoa se encontra, com certeza seu pensamento está a quilômetros daqui, se é que está pensando em alguma coisa.

Agora ele se mexeu. Virou a cabeça para o seu lado direito e pegou um pequeno porta-retrato que estava em cima do criado mudo. Olhava friamente para a foto de uma mulher bem elegante. Ela tem os cabelos negros, a pele pálida e está usando um longo vestido com as cores da noite.

Há um antigo armário à frente dele. Do interior do móvel sai uma figura trajando cartola, casaco e calças pretas. Ele carrega um cetro e veste uma camisa vermelha muito elegante.

-Olá amigo! Como você está?

-Sei lá!

-Nossa! Que desânimo. Até parece que você está morrendo.

-Pode ser!

-Porque você não se levanta e vai andar um pouco? Está uma noite muito bonita hoje.

O homem não respondeu, ficou quieto e quase imóvel na cama.

-Minha nossa! Cadê o ânimo?

-Sei lá!

-É só isso o que você sabe dizer?

-Sei lá! Talvez! Pode ser!

-Ah! Quase me esqueci. Que grosseria da minha parte não me apresentar. Chamo-me Gilfred.

-Ah!

-Minha nossa! Até um paciente em estado terminal é mais animado do que você.

Gilfred se aproximou do homem e observou o retrato da mulher.

-Muito bonita! Quem é ela, sua namorada?

-Tanto faz!

-Qual o nome dela?

-M****

-Bonito nome! Já sei porque você está nesse estado, é por causa dela.

-Pode ser.

-Sabe! Também já sofri de amor, mas foi há muito tempo atrás, antes de me tornar o senhor das fadas.

-Ah!

-Sabe! Não vim aqui à toa. Minhas visitas nunca são ao acaso. Vim até você porque fui chamado.

-Como assim?

-Você me chamou! Vim trazer-lhe a morte. Estou aqui para atender a seu pedido.

-Que bom! É isso mesmo o que eu quero.

-Eu sei! É por isso que estou aqui. Vamos!

-Para onde?

-Você não deseja morrer?

-É o que mais quero!

-Então me acompanhe!

Os dois saíram da casa, desceram uma escadaria que levava até a rua e começaram a andar por ela e pelos arredores do bairro até chegarem a uma ponte. Embaixo dela havia um enorme rio que cortava quase a cidade inteira.

-Bom amigo! É isso aí. Vamos pular para que você consiga sua tão esperada morte.

Num instante os dois se jogaram naquelas águas geladas e o homem foi aos poucos sentindo a aproximação da morte. Ele estava sentindo dor. Era uma dor imensa, nunca em sua vida sofrera tanto, mas a promessa de um descanso final o confortava. Aos poucos ele foi ficando inconsciente até perder por completo os sentidos.

Do escuro ouve-se uma voz.

-Gilfred! Estou mesmo morto?

-Sem sombra de dúvidas está!

-Onde nós estamos?

-No nada!

-Como assim?

-Chegamos ao final! Esta é sua morte.

-Mas como pode ser isso? Como posso ter morrido se te ouço e falo com você?

-Acho que você desejou outro tipo de morte.

-Agora estou confuso.

-Venha comigo!

-Para onde?

-Para aquele ponto luminoso lá na frente.

No mesmo instante um ponto de luz apareceu ao fundo. Parecia haver uma saída.

-Aonde aquela luz vai dar Gilfred?

-Sinceramente eu não sei! Foi você quem escolheu o lugar.

-Meu Deus! Enigmático isso.

-Só há um jeito de sabermos o que tem ali. Vamos até lá.

-Acho que é o jeito.

Os dois começaram a andar na direção da luz que aumentava conforme eles iam se aproximando. Finalmente chegaram até uma porta iluminada por dois candelabros, um de cada lado.

Sem hesitar o homem abriu a porta e os dois entraram. Agora estavam dentro do que parecia ser um teatro. Estavam exatamente no palco e nesse mesmo instante as cortinas se abriram.

-Essa minha morte está muito estranha!

-Eu acho que não! Você queria que o velho espetáculo acabasse e que começasse o segundo ato.

-Eu não estou morto?

-Está e não está. Você deve estar se sentindo diferente agora.

-Isso sim!

-Como se sente?

-Parece que sou uma folha em branco.

-Agora acho que você está entendendo.

-Nossa! Completamente. A sensação que tenho é que sou o senhor de uma grande obra.

-E pelo visto parece que vai começar um espetáculo! Olhe como estão cheios os lugares. Tem muita gente. O que será que tem hoje?

-Gilfred! Há um folheto no chão. Deixe-me ver! O nome da peça é “Gilfred e o homem doente”.

-Trata-se de nós dois!

-Espere aí! A sua visita à minha casa, e o fato de nos jogarmos não rio, nada disso foi verdadeiro?

-Claro que foi! Você não sentiu a dor da queda, a água te molhando, a sensação do afogamento e a perda da consciência?

-Sim senti! Claro que senti. Só que o mais estranho disso tudo é parecer que isso tudo foi uma peça de teatro.

-Acho que é isso mesmo. E pelo visto estamos na última parte.

-E o que fazemos agora Gilfred.

-Não fazemos mais nada! A peça terminou, veja, o público está se levantando.

Logo em seguida os aplausos começaram e as luzes foram se apagando.

O homem estava sozinho novamente. Estava no seu quarto, e continuava deitado em sua cama.

Ele finalmente compreendeu. A morte o levou mesmo. Agora ele ia recomeçar, essa será outra vida.

O rádio continuava tocando jazz, mas desta vez ele estava escutando.

Daniel Tomaz Wachowicz
Enviado por Daniel Tomaz Wachowicz em 14/01/2011
Código do texto: T2727932
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