A faculdade da memória
E depois de muitos anos fora, regressei àquela cidadezinha, que apesar de estar a muito afastada de meus dias, ainda conseguia me lembrar daquele cheiro peculiar que pairava no ar naqueles longínquos dias de verão.
Resolvi embarcar no coletivo ao invés do táxi que aguardava na saída do aeroporto. Sentei-me à janela, com a única mala que trazia a tiracolo. Abri os vidros e deixei aquele cheiro me inundar com força as narinas enquanto o ônibus se movia. Fechei os olhos e respirei fundo, exalando o ar pela boca. Não estava me importando com o tempo que demoraria para chegar ao meu destino, queria apenas rodar por aquela cidade da minha infância, da minha vida passada. Queria apenas relembrar de tudo em silêncio, guardando tudo só pra mim, novas recordações de antigas lembranças.
Minha memória nunca falha, aquele odor familiar preencheu meus pulmões, artérias, veias, tudo ao mesmo tempo. Eu poderia chegar em casa de olhos fechados porque conhecia o perfume de cada rua do meu bairro, cada qual com suas árvores florescendo naquele quase final de primavera, mas que sempre me faziam lembrar daquelas longínquas tardes veranis. Deitada na rede, olhando para o céu e às vezes admirando as nuvens, tentando ver qual seria o desenho que elas estariam formando, e observando o verde das folhas da grande goiabeira do pátio, e me embalando com as pontas dos dedos do pé, de uma forma preguiçosa.
Eu conhecia o cheiro de todos os parques e daquele imenso rio, que depois de muitos anos vieram por decidir que é na verdade um lago, apesar de seu imenso tamanho! Ah! Não há pôr-do-sol como aquele à beira do lago! Não há mais tardes como aquelas tomando chimarrão sentada na grama ou nas pedras e depois apreciando o findar da tarde com todas aquelas cores. Assistir ao sol ir descendo de mansinho, muito preguiçoso, como se fosse mergulhar naquelas águas do horizonte, lá no oeste, fazendo o dia virar noite.
É, não há mais tardes como aquelas, comendo pé-de-moleque sentada no banco do calçadão, perto de algum pipoqueiro. Não há mais passeios de barco como aqueles no final das tardes de verão, onde aproveitávamos os sábados ou os domingos até o último minuto do dia e da noite. Quando não fazer nada era fazer muito. Ah! Aquelas tardes me fazem doer o peito de tanta saudade que sinto.
Lembro-me de sempre usar o coletivo e de tanto que eu costumava ir de cá para lá, as pessoas sempre me perguntavam qual linha deveriam usar para ir de lá para cá. Eu gostava de observar as crianças dentro do ônibus, cada viagem parecia uma aventura para elas. Elas gostam de ficar empézinho no banco, mesmo que seja perigoso, só para poder olhar pela janela e às vezes dão uns gritinhos de alegria e sorriem. Nossa! Como é bom ser criança, pena que minha infância durou pouco, gostaria que tivesse se alongado mais uns anos.
Talvez minha cidadezinha não tenha mudado muito desde a última vez que a visitei, mas eu mudei. Porém minha memória conservou os melhores momentos, nos quais estou pensando agora. Sorri.
Abri os olhos, finalmente estava em casa.