Coisa Feia
Parece até que o cumpade está bravo hoje. Será por que está zanzando em zigue zague pelo meio da rua? Ultimamente ele anda meio ranzinza, reclamando de tudo e com umas conversas esquisitas. Agora saiu-se com esta, que está vivo há quatrocentos e cinqüenta anos. Quatrocentos e cinqüenta anos! Que idéia? Diz que de tempos em tempos troca de corpo, mas para que isso aconteça, ele precisa fazer umas cerimônias. Acho que nem vou continuar a caminhada hoje, vou ficar conversando com ele, vendo se o convenço a ir a um médico. Coitado, tão sozinho, sem família,
sem amigos. E ainda com essa cara feia que tem. Assusta todo mundo.
Ah, de hoje não passa, não passa. Elas escaparam, mas outro não escapa. Eram duas e com elas eu teria adiantado o meu serviço, bem que mereciam, as mostradeiras de língua. Detesto meninas malcriadas e meninas têm peso dobrado, com elas a minha chance de uma vida melhor aumentaria. Mas foram espertas, as danadinhas. Tenho que me garantir. Não posso deixar passar mais ninguém hoje, o tempo está acabando. Perdi muito tempo nessa vida, ah, se perdi. Não fiz nada que tinha que ser feito. Sete, preciso de sete para garantir uma vida nova melhor do que essa. É horrível ficar preso nesse corpo de pobre e velho, não vou mais bobear, vou fazer as cerimônias hoje mesmo. Ah, lá vem o cumpade, em sua caminhada diária.Que ironia! Gente boa, gente fina, o único amigo que tenho. Passa aqui quase todo dia, caminhando para garantir a saúde, mas nunca deixou de parar para um dedinho de prosa comigo. Desculpe compadre, mas vai ser você mesmo. Amigo tem peso dobrado, triplicado, talvez até valha por sete. Venha que eu estou te esperando.
Santo Deus! Nunca vi coisa igual! Estava aqui em minha janela apreciando o pouco movimento coisa de nada que aqui quase não passa ninguém. Mas dói, moço ficar atoa o dia inteiro. Depois que me aposentei por motivos de saúde não há muito para fazer e os filhos nem deixam. Fico aqui quase o dia todo olhando o que se passa na rua. Se vi o que aconteceu? Sim eu vi tudo, o antes e o depois, mas não podia imaginar que fosse acontecer o que aconteceu. Primeiro, ele estava ali assentado calmamente na soleira da porta, como sempre fica. Ai então elas vieram, as meninas. Eram duas, moram um pouco mais a frente. Pensei que elas tivessem mexido com ele porque em um repente ele se levantou e correu atrás delas. Eu até achei que ele estivesse com uma faca na mão, mas não deu para ver direito.Meu problema é nas vistas. Mas elas foram espertam e entraram correndo em casa. Se eu pudesse imaginar o que iria acontecer teria chamado a polícia antes. Mas aí ele ficou andando em zigue zague pela rua e então vi o cara simpático que sempre passa por aqui caminhando e nunca deixa de parar para conversar com ele. Imaginei que tudo ficaria bem.
Você nem pode imaginar, J., alguém chamou a Polícia e como estávamos rodando perto fomos os primeiros a chegar. O que vimos foi completamente absurdo e chocante. Havia um homem caído na rua, as duas pernas alinhadas junto ao corpo, o sangue jorrando da garganta aos borbotões. O cara estava ajoelhado ao lado bebendo o sangue com o maior gosto e quando nos viu avançou para nós com um facão então voltamos correndo para a viatura e pedimos ajuda. Primeiro tentamos dominá-lo e não conseguimos. Atiramos bala de borracha e ele ficava cada vez mais furioso. Então correu para dentro de casa. Tivemos que arrombar a porta e jogar gás lacrimogêneo. Também não adiantou. Foi aí que atiramos em suas pernas e ele caiu. Foi só assim que ele sossegou.
Ai, ai, está queimando, estão ardendo as minhas pernas. Por que fizeram isso comigo? Larguem-me, tenho que acabar o serviço, ainda faltam seis, eu preciso de mais seis para continuar vivendo, vocês não vou me impedir, não podem, Eu sou a Coisa Feia, sou mais forte do que vocês, muito mais, ai que droga, por que não fiz isso antes, agora vai ficar difícil, eu preciso de sangue, muito sangue, muito mais..
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Eu estava quase adormecida, o corpo esticado a mente pensando no artigo que iria escrever, sobre as barbaridades que andam acontecendo em Lavras quando J. a minha fisioterapeuta perguntou: Soube do crime que aconteceu ontem? Achei curioso porque eu estava exatamente pensando nele e no texto que escreveria para o meu site de Literatura a respeito dessa barbaridade. Respondi que sim e que inclusive eu havia visto na net a foto do assassino e que só de olhar para ela eu tinha perdido o sono. J. Respondeu-me: Pois eu vi a foto do morto. Um dos meus pacientes é policial e estava no local. Fotografou o corpo no celular e me mostrou. Pedí-lhe que me falasse sobre a foto. Horrível, disse ela. As pernas estavam colocadas junto ao corpo e a cabeça a gente percebia que estava quase que completamente decepada, só unida ao tronco pela pele da nuca. Parece que o mal anda solto, disse ela. Só pude concordar
Parece até que o cumpade está bravo hoje. Será por que está zanzando em zigue zague pelo meio da rua? Ultimamente ele anda meio ranzinza, reclamando de tudo e com umas conversas esquisitas. Agora saiu-se com esta, que está vivo há quatrocentos e cinqüenta anos. Quatrocentos e cinqüenta anos! Que idéia? Diz que de tempos em tempos troca de corpo, mas para que isso aconteça, ele precisa fazer umas cerimônias. Acho que nem vou continuar a caminhada hoje, vou ficar conversando com ele, vendo se o convenço a ir a um médico. Coitado, tão sozinho, sem família,
sem amigos. E ainda com essa cara feia que tem. Assusta todo mundo.
Ah, de hoje não passa, não passa. Elas escaparam, mas outro não escapa. Eram duas e com elas eu teria adiantado o meu serviço, bem que mereciam, as mostradeiras de língua. Detesto meninas malcriadas e meninas têm peso dobrado, com elas a minha chance de uma vida melhor aumentaria. Mas foram espertas, as danadinhas. Tenho que me garantir. Não posso deixar passar mais ninguém hoje, o tempo está acabando. Perdi muito tempo nessa vida, ah, se perdi. Não fiz nada que tinha que ser feito. Sete, preciso de sete para garantir uma vida nova melhor do que essa. É horrível ficar preso nesse corpo de pobre e velho, não vou mais bobear, vou fazer as cerimônias hoje mesmo. Ah, lá vem o cumpade, em sua caminhada diária.Que ironia! Gente boa, gente fina, o único amigo que tenho. Passa aqui quase todo dia, caminhando para garantir a saúde, mas nunca deixou de parar para um dedinho de prosa comigo. Desculpe compadre, mas vai ser você mesmo. Amigo tem peso dobrado, triplicado, talvez até valha por sete. Venha que eu estou te esperando.
Santo Deus! Nunca vi coisa igual! Estava aqui em minha janela apreciando o pouco movimento coisa de nada que aqui quase não passa ninguém. Mas dói, moço ficar atoa o dia inteiro. Depois que me aposentei por motivos de saúde não há muito para fazer e os filhos nem deixam. Fico aqui quase o dia todo olhando o que se passa na rua. Se vi o que aconteceu? Sim eu vi tudo, o antes e o depois, mas não podia imaginar que fosse acontecer o que aconteceu. Primeiro, ele estava ali assentado calmamente na soleira da porta, como sempre fica. Ai então elas vieram, as meninas. Eram duas, moram um pouco mais a frente. Pensei que elas tivessem mexido com ele porque em um repente ele se levantou e correu atrás delas. Eu até achei que ele estivesse com uma faca na mão, mas não deu para ver direito.Meu problema é nas vistas. Mas elas foram espertam e entraram correndo em casa. Se eu pudesse imaginar o que iria acontecer teria chamado a polícia antes. Mas aí ele ficou andando em zigue zague pela rua e então vi o cara simpático que sempre passa por aqui caminhando e nunca deixa de parar para conversar com ele. Imaginei que tudo ficaria bem.
Você nem pode imaginar, J., alguém chamou a Polícia e como estávamos rodando perto fomos os primeiros a chegar. O que vimos foi completamente absurdo e chocante. Havia um homem caído na rua, as duas pernas alinhadas junto ao corpo, o sangue jorrando da garganta aos borbotões. O cara estava ajoelhado ao lado bebendo o sangue com o maior gosto e quando nos viu avançou para nós com um facão então voltamos correndo para a viatura e pedimos ajuda. Primeiro tentamos dominá-lo e não conseguimos. Atiramos bala de borracha e ele ficava cada vez mais furioso. Então correu para dentro de casa. Tivemos que arrombar a porta e jogar gás lacrimogêneo. Também não adiantou. Foi aí que atiramos em suas pernas e ele caiu. Foi só assim que ele sossegou.
Ai, ai, está queimando, estão ardendo as minhas pernas. Por que fizeram isso comigo? Larguem-me, tenho que acabar o serviço, ainda faltam seis, eu preciso de mais seis para continuar vivendo, vocês não vou me impedir, não podem, Eu sou a Coisa Feia, sou mais forte do que vocês, muito mais, ai que droga, por que não fiz isso antes, agora vai ficar difícil, eu preciso de sangue, muito sangue, muito mais..
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Eu estava quase adormecida, o corpo esticado a mente pensando no artigo que iria escrever, sobre as barbaridades que andam acontecendo em Lavras quando J. a minha fisioterapeuta perguntou: Soube do crime que aconteceu ontem? Achei curioso porque eu estava exatamente pensando nele e no texto que escreveria para o meu site de Literatura a respeito dessa barbaridade. Respondi que sim e que inclusive eu havia visto na net a foto do assassino e que só de olhar para ela eu tinha perdido o sono. J. Respondeu-me: Pois eu vi a foto do morto. Um dos meus pacientes é policial e estava no local. Fotografou o corpo no celular e me mostrou. Pedí-lhe que me falasse sobre a foto. Horrível, disse ela. As pernas estavam colocadas junto ao corpo e a cabeça a gente percebia que estava quase que completamente decepada, só unida ao tronco pela pele da nuca. Parece que o mal anda solto, disse ela. Só pude concordar