A MARGEM OBSCURA

Dizem que Deus existe, que consola e acode, mas está tão longe... Acho que estamos doentes, porque Ele estaria dentro: pássaro. E o veríamos voejar. Mais uma vez peço: tinge a vida de belezas e me dá um beijo com paixão. Percebo que a vida se resume. O afeto tem várias nomenclaturas e muitos estágios na aflição dos dias. O tal de Amor tem variados rostos. Nem o silêncio é mudo... À fogosa ardência segue-se um estado de crise, de mudanças. Haverá algo mais duradouro? O mastigar dos afetos, no limiar dos corpos, é saudade ensaiada ou o retorno ao útero? Deixa-me nadar na tua placenta, no conforto de tua proteção... Este o elemento instintivo de todo o vivente: boiar tal um naco de cortiça à flor da memória. À margem, a mina de carvão profunda e negra. E se esparge a alta toxicidade. O vil ambiente é um purgatório de prazeres e lástimas. Caminha-se sobre nuvens...

– Do livro O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2004/10.

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