A ilha
Precisava voltar à ilha, vivera lá por muitos anos e acreditou que não sentiria falta daquele cheiro de peixe. Nasceu em um pequeno universo e a ilha era todo o seu mundo. Isso bastou até a chegada da adolescência, quando ficou fascinado ao saber da existência de outras terras, longe daquele ventar constante.
É irônico como tudo se invertia e a ilha voltava a ter uma dimensão muito maior. Era o seu lugar, é o seu lugar.
Talvez a saudade se devesse ao fato de que na ilha tinha amigos que lhe pareciam leais. Conversava muito com o pai que também nascera ali. Morávamos na parte baixa. Estranho não ter tido a curiosidade de perguntar a seu pai como foi parar na ilha, mas não havia mais tempo.
Tomou uma dose de vinho, ao menos, por um instante, tinha aquele gole, como uma homenagem ao velho. Sentou-se e pensou que talvez fosse bom descer e conversar com dona Lúcia que costumava lhe lançar olhares que o faziam lembrar Natália com quem tivera um romance interrompido por causa do grupo. Tomando outro gole chegou a conclusão que foi um momento feliz de sua vida. Repetia: Natália, Natália...... e riu quando pensou em nomes bons para repetir: Leila, Júlia ........
Já se fosse uma Djane................ . Resolveu descer, a essa hora dona Lúcia deve estar vendo TV e cochilando.
_ Boa tarde
_ Oi meu filho, pensei que não ia descer, que cara é essa?
_ Não sei, acho que.......
_ Você estava bebendo Ricardo? Já disse que não é bom ficar tão sozinho. Te faço companhia.
_ Preciso ir dona Lúcia
Dona Lucia faz companhia a si mesma. Enquanto caminhava voltou ao passado novamente e lembrou das constantes reuniões de seu pai com aqueles que mais tarde formariam o grupo.
Fazia um sol fraco e ventava pouco, nada como uma caminhada e além do mais precisava arranjar um bom emprego. Sabia fazer pouca coisa, sempre trabalhou na loja do pai onde não exigiam experiência comprovada.
Tinham razão, é preciso fazer amigos. Depois de ter sido condenado não podia mais voltar. Teria que se acostumar com essa cidade onde não encontrava um lugar que o fizesse bem. Se o ditador for mesmo como dizem, seu pai está “desaparecido” há muito tempo.
Parou numa praça e tentou clarear tudo em sua mente, mas o vento aumentara. Decidiu tomar um café, lhe faria bem, tentou ser mais otimista quem sabe não encontraria um bom emprego, uma Natália ( ou Djane).
Acordou cedo no dia da fuga, tudo funcionaria, tinha certeza. O grupo chegou ao cais às seis da manhã. O barco roubado naquela mesma noite já nos esperava e todos pareciam nervosos. Ou era só eu?........ Saímos, mas logo fomos descobertos e pude perceber que faltava alguém, em pouco tempo, todos percebemos o que havia acontecido.
Nosso perseguidor se aproximava e ali nos separaríamos. Tudo aconteceu muito rápido. Meu pai caiu, me desesperei, mas não podíamos voltar. Escapamos e ainda pude ver meu pai tentando nadar .
Olhou o relógio, embora não tivesse motivo para isso.
— Onde você esteve? Ricardo, as ruas estão perigosas.
Apenas acenou e subiu. Sentou na cama ainda desarrumada e deu uma chance a si mesmo. Enquanto olhava pra fora decidiu: amanha irá ao cais e as oito e vinte e cinco voltaria pelas mesmas ruas, um novo começo.