Migrar
Sentada num dos caixotes, olhando para o horizonte daquela sala vazia, ela não sabia bem em que pensava. Um turbilhão de cores, formas, cheiros e aquela sala vazia. É como se ela, agora, tivesse um cômodo vazio dentro de si.
Até a respiração mais profunda dava eco, e as batidas do seu coração faziam as paredes tremerem, faziam-na tremer. Sentiu aquela vontade péssima de fumar, que só denunciava, ainda mais, a sua fragilidade.
Mentalmente, remontava quantos passos dera naquela casa, quantas vezes o chão foi a cama, e quantas vezes o chão ficou manchado do whisky inseparável. Era tempo de migrar. Deixar o seu lugar de passagem e ir para casa. E essa já não havia sido sua casa? Recusava-se a aceitar a ideia que outros iriam ocupar seus cômodos, agora vazios, e varrer dali tudo que ela havia deixado. Era hora de migrar.
A vontade de fumar crescendo, “meu Deus, onde será que vou arranjar um carlton agora?”. Ela deveria estar dormindo, mas estava ali sentada com uma camisola tosca no meio da sala vazia. Estava hipnotizada. Sua última noite. O vazio sufocando...”Não quero morrer aos poucos.”. Lembrou que amanhã iria para casa e sorriu. O sorriso mais triste jamais visto.
Todos sabiam que ela precisava migrar.