Na delegacia

Senha 37. A vez dela.

Entrou na sala, cumprimentou o jovem delegado e sentou-se na cadeira à frente de sua mesa. O rapaz não pode deixar de notar os luminosos olhos azuis da moça, emoldurados por uma pele muito clara que fazia um belo contraste com seus sedosos cabelos escuros. Educadamente, perguntou-lhe a que vinha.

-Eu vim fazer um B.O. – respondeu a moça.

O delegado começou preenchendo todos os dados pessoais da bela mulher à sua frente, digitando e olhando de soslaio, antes de proceder às perguntas de praxe.

-E então, qual foi a ocorrência?

-Roubaram meu coração.

-Certo. Você poderia descrever seu coração?

-Bem, era acolhedor, cheio de esperança... 28 anos, pouco uso...

-E como foi o roubo?

-Olha, moço... eu o deixei para que meu namorado cuidasse, sabe? Por um tempo ele tomou conta do coração até que bem, mas um dia, sem mais nem menos, o levou embora.

-Então não foi roubo, foi furto!

-Ah, tanto faz. O fato é que preciso dele de volta, né?

-Claro – respondeu o rapaz, mirando os belos olhos da moça, e continuando em seguida o inquérito. – E o ladrão, você pode descrevê-lo?

-Não! – ela respondeu. – Não quero mais lembrar dele. Só quero meu coração.

-Entendo. E ele estava no seguro?

-Então... eu bem que tentei segurá-lo, mas não consegui. Ele se apaixonou sem reservas, não havia seguro capaz de bancar isso. Mas me diga... você acha que a polícia poderá encontrá-lo?

O rapaz olhou bem para a moça e disse, num meio sorriso:

-Sabe, esta queixa é muito comum por aqui. Infelizmente, a polícia nem sempre consegue encontrar todos os corações que são roubados, e muitos, quando os encontra, estão quebrados, feridos, levam um bom tempo para que possam ser totalmente utilizados novamente... essa quadrilha que está agindo por aí é profissional, sabe?

A moça ficou decepcionada:

-E agora? Está difícil ficar assim, sem coração. Parece que nada tem graça...

-Eu sei, é assim mesmo. Eu mesmo já passei por isso. Mas vou fazer um esforço extra para você.

-Verdade?

-Sim – ele respondeu, sorrindo agora abertamente. – Vou cuidar pessoalmente do seu caso. Tenho certeza de que vou encontrá-lo e prometo devolvê-lo em breve. Se me permitir, durante um jantar...

Ela sorriu de volta e guardou na bolsa o cartão com o telefone do jovem e solícito delegado. Percebeu que talvez não precisasse do antigo coração, pois sentia que um novo vinha brotando bem lá no fundo.

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Um beijo para Ana Maria, minha querida sobrinha, pela idéia do conto.