A Toca
Cientistas haviam acabado de descobrir que o tempo possuia velocidades diferentes. Para certas pessoas, ele voava, ligeiro, sobre dores e alegrias igualmente; para outras, ele caminhava vagaroso, na mesmice de dias que se repetiam numa sucessão que enjoava. Era uma descoberta recente, ninguém ainda havia formulado nenhuma teoria avançada ou descoberto algum modo de lidar com isso, mas o fato é que todos estavam espantados e, de certa forma, assustados.
Ele percebeu que o tempo dele era do tipo rápido. Ver os filhos crescerem e se tornarem adultos aconteceu num repente, e suas inúmeras vivências e aventuras, por terem deixado marcas indeléveis, comparavam-se à queda de um raio, breve e poderoso. Já para ela, o tempo era vagaroso: alternava entre velocidades um pouco maiores e um pouco menores, mas sempre imutável na sua tônica, numa toada semelhante a um trote de cavalo - algumas vezes lentamente, noutras mais rapidamente, mas o ruído era sempre o mesmo, sempre o mesmo, sempre o mesmo...
Ele vivia do lado de fora da Toca, e ela, de dentro. A Toca era uma passagem entre o exterior e o interior de mundos paralelos. Ninguém sabia até então, até o momento em que ele se apercebeu disso. Chamou-a para ficar ali, com ele, no portal entre aquelas duas dimensões espaço-temporais, e concluíram que ali o tempo simplesmente deixava de existir. E guardaram segredo absoluto, tamanha a importância de sua descoberta
Ele tirou todas as traças que lá habitavam, e a Toca passou a ser mais que um portal: era um refúgio onde, isolados do tempo, não precisavam tentar entender por que tantos anos haviam-se passado e por que tanta distância os havia separado. Na Toca, estavam protegidos pela aura de paz que a ausência de tempo lhes permitia usufruir.