Um violão de mulher
O engarrafamento na Hilário Ribeiro, quase esquina com a 24 de outubro estava bastante congestionado e eu estava parado, já há algum tempo, simplesmente, não dava pra mover o carro. À esquerda de onde estava me chamou a atenção um salão de estética feminina. Não que estivesse interessado no assunto, mas, a moça que penteava a cabeça de alguma perua abastada, me chamou a atenção. Eu estava procurando um modelo para o lançamento de um novo conjunto de guarda-sol e mesa de praia. O cliente já reacusara todo o meu arquivo e não havia conseguido localizar algo que o satisfizesse. Resolvi estacionar por ali mesmo e assim que a fila andou um pouco, consegui uma vaga e enfiei o carro do jeito que deu A mulher era algo deslumbrante, um rosto perfeito, pele queimada do sol, contrastando com lindos e longos cabelos louros. Não titubeei em convidá-la para um ensaio no estúdio e marcamos ainda para aquela noite, assim que acabasse o turno dela no salão. Na hora combinada, apareceu no estúdio e mandei maquia-la de acordo para as fotos que ficaram esplendidas. Vestida com um short curto, deixava amostra um belíssimo e bem torneado par de pernas. Lívia era aquele tipo de mulher que nos deixa simplesmente atônitos e sem fôlego. Mas, profissionalismo acima de tudo, selecionei as fotos e liguei para o cliente. Ele aprovou de imediato, fazendo um elogio sobre o meu faro para localizar modelos, o que me massageou o ego evidentemente. As fotos deveriam ser feitas na praia, mas chovia no litoral e então decidimos fazer a beira do Guaíba, na Pedra Redonda. Ali havia uma porção de praia que serviria para enganar o observador.
Tudo preparado, ela surgiu do camarim móvel, (uma Combi 77) vestindo apenas uma minúscula tanga. Uma visão capaz de virar a cabeça do mais santo dos homens. O que chamamos de um violão, perfeito. Japa. ( Descendente de japoneses, era fotógrafo e me auxiliava em algumas ocasiões) era o meu auxiliar naquele dia e ao alcançar-me o back carregado com o filme, estava suando frio.
– Cara, te vira eu não vou agüentar, esta mulher é de mais e eu to ficando louco.
– Calma rapaz, desvia o pensamento, temos que fazer o trabalho, pensa em um saco de batatas. Confesso que eu próprio estava com dificuldade pra disfarçar uma tesão que insistia em perturbar. Mas nesta hora, há que separar as coisas. Na hora do clic, tem muita coisa pra conferir e tratei de me concentrar em medições de luz, sensibilidade do filme, composição visual e enquadramento. Obviamente, terminado o trabalho, a primeira coisa que tratei foi de arriscar um convite pra jantar. Delicadamente me pediu desculpas, alegando ter um compromisso importante. Confesso que a frustração foi grande, mas, acontece e nem sempre é dia de pão quente. O sono, naquela noite, foi entremeado de pesadelos e a mulher surgia a cada momento, como uma visão maravilhosa e inatingível. Tratei de colocá-la na nova coleção de inverno do catálogo de moda, (As roupas de inverno, eram fotografadas no verão), pois eram feitas com a devida antecedência. Já nadava meio confuso e achando que minhas táticas de abordagem não estavam mais surtindo efeito. Várias outras tentativas haviam esbarrado em impossibilidades. Quando numa tarde de sexta feira fui surpreendido por sua inesperada visita ao estúdio. – Quero falar com você em particular.
O coração pulou!
– Ok, vamos falar no laboratório. A luz vermelha da câmara escura, dava-lhe contornos diabolicamente quentes. Meia tímida me disse que queria fazer umas fotos nua, que seu antigo namorado havia tentado, mas o resultado havia sido muito ruim. “ E tem gente que diz que Deus não existe!” Eu deveria viajar para Blumenau na noite de domingo, mas obviamente antecipei a viagem para sábado pela manhã. Desta vez fomos no meu Maverick, ( O carro que mais me deixou saudade) havia comprado recentemente, modelo 78, com ar condicionado bancos em couro, salmão metálico, só havia dois em Porto Alegre, embora isso ocasionalmente me causasse problemas. Pois o proprietário do outro era parecido comigo. Rumamos direto para Itapema, Plaza Itapema, onde aluguei uma cabana com direito à piscina entre a casa e o mar.
Chegamos a tardinha e partimos para as fotos.
– Pede um uísque pra nós? Não leve a mal, mas é a primeira vez que tiro a roupa diante de você. A cabana por si já era um ambiente ideal para o tipo de fotos que tinha em mente. Fotografávamos entre uns goles e troca de poses e ambiente. Ela enrolava uma toalha no corpo e só descartava depois que a pose estava pronta. Terminado o ensaio, pedi ao restaurante anexo, uma janta leve e conversamos sobre assuntos diversos. A noite avançava e fatalmente chegou a hora. Resolvemos tomar um banho e dormir! Eu disse dormir? Bem, tomou-me pela mão e entramos os dois no banheiro, com ela já ajudando na “difícil” tarefa de despir-nos e naturalmente a minha noite estava começando, no banheiro. A mulher era incrível e eu nem imaginava que seria capaz de uma performance daquelas. Finalmente eu tinha nos meus braços o sonhado violão e os sons que invadiam meus ouvidos eram de uma longa e doce melodia. Acho que nem Betowen, seria capaz de uma sinfonia com tão longo desempenho. Claro que o que menos fizemos naquela noite foi dormir. No dia seguinte, fizemos algumas fotos externas e agora já mais íntimos, tratamos de viver cada minuto do fim de semana. Mantivemos a partir dali, um relacionamento que durou um longo tempo. Um dia me mostrou um cofre ao lado de sua cama. Estava cheio de jóias.
– Tudo o que me sobra, invisto em jóias, falou apontando o pequeno tesouro que possuía. Confidenciou-me que tinha um amante, um velho muito rico, mostrou-me o talão de cheques assinados em branco que guardava no cofre.
– Só uso quando preciso. Disse-me que o velho sabia de suas aventuras, mas só lhe pedia que fosse discreta e que não o deixasse perceber. Como tudo que é bom um dia acaba, nos distanciamos por circunstâncias adversas, vendi o meu estúdio e fui para Floripa. Passaram-se meses em que não mais nos vimos. Um dia a saudade bateu forte e resolvi ligar. Atendeu uma voz masculina. Era seu irmão e informou.
– A Lívia está em Nova Iorque, você não sabia? Mudou pra lá, já fazem 3 meses. Casou-se com aquele coroa, que ela namorava. Foi a última notícia que tive. “Garota esperta”, pensei, vai herdar uma grana fantástica. Voltei ao meu apartamento ainda fechado. Estava a venda, mas até o momento ninguém se interessara.
A caixa postal estava cheia de papeis, cartões de visita e panfletos de toda ordem. Um envelope chamou a atenção. Era dela e dentro apenas um cartão com os dizeres:
Sorry, I love you but the money is ...
Kisses,
Lívia