Eles - 3 (Zeca e Zequinha)




        Zeca e Zequinha nasceram no mesmo dia, no mesmo ano, com a diferença de minutos: dia dezenove de março, dia de São José. Mas Zeca e Zequinha não eram xipófagos, nem gêmeos univitelinos, nem gêmeos comuns. Na verdade nem eram irmãos. 

     O pai de Zequinha era carpinteiro e o de Zeca o dono da carpintaria. A mãe de Zeca era de prendas domésticas e a de Zequinha garantia as prendas da patroa, cozinhando,lavando e passando. E quando o leite da mãe de Zeca não apareceu, a mãe de Zequinha foi convidada para amamentá-lo, junto ao seu. Foi aí que os dois meninos viraram irmãos – de leite.

                    A vida dos dois seguia paralela, cada um na sua medida – a de rico e a de pobre. Enquanto Zeca ia para uma Escola Particular, Zequinha freqüentava a pública. Quando Zeca foi para a Universidade, Zequinha foi trabalhar. No entanto, apesar do paralelismo, as duas estradas se confundiam amiúde em uma só. Quando podiam estavam sempre juntos. Eram tão grudados um no outro que conversas surgiram de que seriam mais do que amigos, mas tanto o carpinteiro quanto o dono da carpintaria investigaram e se aquietaram quando descobriram onde os dois costumavam se divertir, varando as noites e deixando as mães sem dormir: na casa da Zezé, famosa por suas meninas importadas de outros estados.
 
                 Os dois se casaram com duas irmãs e um virou patrão do outro o que certamente trouxe problemas para as irmãs. Mas os dois não estavam nem aí. Eram vizinhos. Zeca morava em uma grande casa e Zequinha em uma casa pequenina nos fundos da grande casa, sem pagar aluguel. E a vida corria plácida e boa.
 
              Mas um dia...tem sempre um dia nas histórias onde as pessoas são felizes, um dia quando a casa cai. A casa caiu, não literalmente, mas metafóricamente quando Zeca enlouqueceu. Não se sabe exatamente a razão, para muitos foi de repente, Zequinha sabia que não. E então foi levado para um hospício, daqueles que havia por aí, onde ninguém se cura mas se torna bicho, apesar da alta mensalidade que Zequinha fazia questão de cobrir, cuidando do negócio do amigo, irmão de leite, das duas famílias, das duas mulheres. Zequinha trabalhava noite e dia e dia e noite e domingo era o dia, o único, em que ficava feliz. Bem cedo saia e ia visitar Zeca, com ele passando o dia inteiro, só ele, não levava ninguém, nem a mulher do amigo, nem os filhos do amigo, que gratos ficavam por não serem convidados.

                Um dia, porque há sempre um dia em que as coisas ruins se resolvem e se tornam boas outra vez mesmo que seja de uma forma diferente.

                 E Zequinha chamou os meninos mais velhos, o de Zeca e o seu e lhes deu as chaves da carpintaria, negócio duplicado nos últimos anos, os anos de ausência de Zeca, que era doutor. Arrumou sua mala, beijou a face encovada da mulher, e beijou a da cunhada, por direito conquistado e então partiu. Foi em busca do amigo, do irmão de leite e com ele ficou.

           E todos se encantavam com os dois, amizade profunda, que só acabou, quando partiram, com diferença de minutos, talvez de segundos, para um mundo diferente e que dizem, melhor.

         E tem gente que garante no hospício choroso que as duas almas subiram para o espaço de mãos dadas para cumprir o destino que a elas era destinado: almas gêmeas na vida e na morte por todos os séculos, seculorum, Amém.

(Da série Pequenas Histórias Encantadas)