Eles - 1 (Zé)
1- O nome do homem era o mais comum possível. José da Silva. Mas ele não nasceu José nem da Silva. Nasceu já com um nome pronto, impronunciável. Quando chegou, logo aprendeu a nova língua, pura necessidade. Mas não conseguiu que aprendessem o seu próprio nome. Então simplificou. José da Silva. Zé. Se alguém conseguiu memorizar o seu nome, já se esqueceu. Isso tudo foi há muitos e muitos anos atrás. Desde então é Zé. Apenas Zé. Zé, O coveiro.
Arranjou esse emprego nos primórdios. A Paróquia era responsável pelo salário. A Paróquia o batizou com o novo nome. Era o único documento que tinha: o batistério.
A Paróquia também lhe deu uma casa. Atrás dos muros amarelos do cemitério, uma casa amarela. Deu, não. Emprestou. Teria que devolver quando lhe fosse pedido. E ali ele morou por anos e anos com seu gato. Um gato amarelo sem nome. Era apenas o Gato. O gato do coveiro. E moravam sem vizinhos a esquerda nem a direita. Sem vizinhos aos fundos. Só o matagal, esconderijo daqueles que precisavam se esconder. E os muros do cemitério.
Um dia a Paróquia avisou-lhe que tinha que devolver a casa. Tinha vendido todo o terreno para um loteamento. Um novo bairro iria surgir ali, atrás do cemitério.Mortos e vivos iriam agora ser vizinhos.
Zé viu então que não teria para onde ir. Zé não tinha a quem reclamar.Zé não era ninguém. Não existia. Era um morto.
Nada disse a ninguém, nem ao gato. Também não tinha a quem dizer. Seus interlocutores de cada dia eram os mortos. .Não chorou, não esbravejou. Apenas pegou o gato em suas mãos e dirigiu-se com ele para o cemitério. Primeiro enforcou o gato, dependurando-o em uma árvore. Depois enforcou a si mesmo, dependurando-se ao lado do Gato. A Paróquia mandou enterrá-lo ali, debaixo da árvore, garantindo-lhe a moradia entre os mortos. Quanto ao gato jogou-o no matagal para que fosse comidopelos urubus.
Conta-se que nas noites de lua um vulto percorre as aléias do cemitério e as ruas do novo bairro procurando em vão pelo seu Gato.
(Da série Pequenas História Encantadas - Eles (1)
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