I do[not] regret what I did.
- Do que você se arrepende?
+ Não deixo oportunidade para me arrepender. Melhor assim. Não quero pensar, não quero saber...
- Você não quer pensar por ter medo de se arrepender e ser tarde demais.
+ Talvez. Não penso sobre isso. Remoer situações me faz tão mal...Relembrar me dá uma agonia de não voltar atrás, sabendo do que acontece agora. Não quero o arrependimento. Se, muitas vezes, digo palavras duras, é porque preciso de uma forma radical de lidar com o que não quero relembrar.
- Mas se tudo foi tão bom, relembrar deveria...
+ Trazer coisas boas? Até traria, se junto delas não viessem milhões de “senão”, viver do que não há mais, para quê? Para viver da sensação de que me tiraram algo? Sensação de deslocamento constrangedor? É simples para você dizer, não foi você quem ficou para trás com a incumbência de se virar com as cinzas da memória.
- Não é assim também. Eu guardo minhas lembranças muito bem guardadas. Não quero esquecer. Para quê esquecer? É algo bom, não quero esquecer, não tenho porquê esquecer.
+ Não estou pedido para você esquecer, só estou pedindo para você não ficar me lembrando. Isso, sim, não tem porquê. Ou você deseja que eu viva presa a isso com a obrigação de manter vivas as lembranças? Elas devem ficar onde devem ficar. É insuportável demais ficar imaginando certas coisas. Você me lembrando o passado, me dá todo o poder de imaginar o que não quero. Estou aqui retirando, minuciosa e delicadamente da memória resgatável, tudo aquilo que não deve ser citado de pronto.
- É assim que você quer? Fingir assim, sem se importar em como me sinto em relação a você fingir que algo não existiu? Você fingir que não existiu me faz sentir desimportante. Você e suas palavras duras! Parece que não pensa!
+ Se estou preservando isso na ante-sala das minhas memórias é, justamente, porque você é importante. Essas memórias têm que ficar longe de nós. Sabe por que? Porque, no fundo, nem eu e nem você sabemos o que fazer quando elas estão aqui, nas nossas mãos, pulsando tão vivas. Elas gritam, elas ficam falando tão alto e, ao mesmo tempo, tão serenas. Elas falam o que não precisamos mais ouvir.
- Como você pode ter certeza que é assim que eu me sinto? Você e sua mania de ler meus pensamentos!
+ Eu falo só por mim, então. Toda vez que você desenterra um momento adormecido, ele renasce na minha mão como um bebê faminto, e eu já não posso mais alimentá-lo. Isso me deixa de mãos atadas! Vê, é isso que acontece. Você que parece tão insensível...
- Eu não sou insensível! Sou tão sensível que desejo lembrar disso mais do que deveria, talvez. É como sentir um pouco daquilo de novo! Eu não quero esquecer, eu não quero fingir, foda-se, isso não parece errado para mim! As lembranças são nossas e de mais ninguém! A minha vida de hoje não tem como tirar minhas lembranças de ontem, e não é errado eu falar nelas toda vez que eu quiser, só porque eu sinto vontade de ter isso um pouco de volta aqui comigo. Trazer essas lembranças para mim, mesmo que pareça de maneira deliberada, é uma maneira de saber que não perdi você, entende?
+ Puta que pariu, onde, em que momento eu dei a entender que eu iria sumir da sua vida? Você é mais medroso do que eu! Eu, EU que tenho medo de não valer mais tanta coisa. Um dia eu vali. Você disse que eu vali. Eu acredito. Dia 8 eu vali. Não me faça não querer mais ser seu dia 8. E jogar tudo para o alto e esquecer, de maldade, dia 8.
- Você seria capaz? Seria capaz, assim, de fingir que eu não existi para você da maneira como eu existi? Não consigo acreditar! Seria como uma punhalada nas minhas costas, porque eu confiei em você, eu me joguei em você, e acreditei. Você disse que também se sentia assim. Você disse que confiava em mim, que se atirou e acreditou! Por que não acredita mais? O hoje não muda o ontem. Não muda o que houve.
+ O que houve ontem, houve ontem. Hoje não permite que o ontem exista, e fique onde deve estar. Guardemos o que temos que guardar. Eu guardo cada uma das lembranças numa caixinha no sótão de mim mesma. Elas lá ficam seguras de tudo. Até de nós.