Milagre de Natal

* CONTO VENCEDOR DO 3° LUGAR DA CATEGORIA 03 DO IV CONCURSO ESTUDANTIL DE CONTOS E POESIAS DO PROJETO CAMINHOS DA LEITURA. TEMA GERAL: FAMÍLIA. *

Isabela e Cláudio há pouco haviam se casado. Quatro anos, precisamente. Mas não fora pouco tempo para construir uma pequena casa em um bairro movimentado da grande Porto Alegre. Isabela sempre sonhou em morar na capital, algo que jamais conseguiria sem a ajuda do marido. Ambos humildes, o último que desejavam era dinheiro. Acumular fortunas nunca fora o seu propósito. Ainda assim, os dois trabalhavam em uma empresa de consórcios no centro da cidade.

Naquela noite quente, Papais-Noéis e estrelas cadentes enfeitavam ainda mais a rua agitada. Eram somente oito horas quando Cláudio e a mulher saíram da Igreja. Isabela tinha os olhos marejados de lágrimas quando cruzaram a rua. O Natal sempre fora uma data emocionante para todos, principalmente naquele ano, que tudo estava perfeitamente decorado. Mas ela não tinha a intenção de chorar na noite de Natal. Afastou os pensamentos que a perturbavam e se pôs a caminhar lentamente ao lado do marido. O casal se deu as mãos, porém nenhum deles disse sequer uma palavra. Ao seu redor, gritos animados de crianças surgiam enquanto o zelador do bairro, vestindo os trajes costumeiros do “bom velhinho”, entregava balas e presentes. O choro de um bebê que, provavelmente por estar assustado com todo o barulho, fez Isabela baixar os olhos. Não, ela não tinha a intenção de chorar. Mas, mesmo contra a sua vontade, uma lágrima teimosa lhe correu pelo rosto. Lembrou-se de tudo por que passara dois anos atrás, quando fora ao médico e descobrira que não podia ter filhos. Definitivamente, você não pode ser mãe. Naquela época, faltavam algumas semanas para o Natal, e a cidade já estava quase completamente enfeitada. Talvez por isso, mais do que tudo, ela sentia medo das festas natalinas. Sabia que era bobagem pensar assim, mas era como se todos os anos fosse reviver o que acontecera.

Ainda quando namoravam, o sonho do casal era formar uma família. E não era a notícia de que Isabela nunca poderia ser mãe que os faria parar de lutar. Meses depois, ela perguntou ao marido se ele realmente desejava ficar com ela agora que sabia que sua mulher era estéril. Suas palavras pareceram afetar completamente Cláudio, e ele apenas respondeu: “Você sabe que eu jamais a deixaria. Principalmente neste momento. Eu a amo e juntos vamos realizar os nossos sonhos.” Então, um mês depois, preencheram o longo e cansativo formulário a fim de adotar uma criança. Ambos sempre foram de acordo com a adoção, e eram devotos à afirmativa de que não é o tipo de sangue que une as pessoas, mas sim o amor; porém não imaginavam que era um processo tão demorado. Um ano se passara e ainda não haviam obtido respostas. Mas agarravam-se à esperança de ainda poder carregar um bebê em seus braços. Agarravam-se desesperadamente à esperança de poder chamá-lo de filho.

Quando entraram em casa, o silêncio os atingiu de tal maneira que os dois se entreolharam. Procuraram esquecer-se dos momentos difíceis, e, enquanto Cláudio colocava a mesa, Isabela terminava de temperar o frango. Haviam decidido que nada atrapalharia o seu jantar, e consequentemente, a sua noite de Natal. Porém, meia hora depois, quando se preparavam para sentar à mesa, alguém tocou a campainha. Cláudio olhou para a mulher e, sorrindo, murmurou:

– Ainda bem que não sentamos. – Isabela também sorriu, e, rapidamente, se dirigiu à porta. Àquela altura, já haviam parado de bater. “Não deve ser tão importante, senão insistiriam”, pensou, enquanto girava lentamente a chave. Quando abriu, o vento quente que surgia da rua a surpreendeu. Percebeu o quanto estava frio dentro de casa e, por um minuto, desejou passar a noite toda ali na rua. Isabela olhou para todos os lados e deduziu que fora um engano, ou apenas alguma criança lhe batendo à porta a fim de desejar-lhe um Feliz Natal. Estava pronta para fechar quando lhe ocorreu de olhar para baixo, e o que viu a deixou sem fala. Era uma cesta muito pequena, cor âmbar, com um lindo coração de metal pendendo da alça.

– Oh, meu Deus! – Isabela deixou escapar um soluço. – Cláudio! Cláudio! – Ele estava na cozinha, folheando um velho jornal quando ouviu os chamados da mulher. Quando se aproximou, também ficou perplexo, e lágrimas se formaram em seus olhos.

Isabela pegou o bebê no colo, enquanto Cláudio o acariciava. A criança vestia um conjuntinho rosa claro, e nem por um segundo se mostrou assustada. Era um neném lindo. Os grandes olhos verdes brilhavam em contraste com os cabelos castanhos. O casal deduziu que tinha apenas três semanas de vida, embora fosse razoavelmente maior para tal idade.

– E agora? – Sussurrou Isabela, emocionada demais para acreditar que tudo aquilo era real. – O que vamos fazer? – Mas nem mesmo ela tinha a resposta certa. Tudo o que mais queriam na vida era ficar com o bebê, pois já sabiam que ele lhes fora especialmente destinado, mesmo que o houvessem conhecido há tão poucos segundos. Porém precisavam fazer por merecê-lo. Então, com um sorriso, Cláudio murmurou:

– Nós vamos lutar. – Isabela sorriu diante das palavras do marido, e beijou a pequena menina que agora estava agitada em seu colo. Era como se ela percebesse as suas intenções e aprovava tentando fazer bagunça com as roupas que a cercavam. Não tinha um vestígio sequer da mãe, ou da pessoa que a cuidara desde o momento em que nascera. E, de certa forma, isso fazia Isabela feliz, porque, se ficassem com a criança, o que minutos depois já era óbvio, não queria nada interferindo em suas vidas.

Meia hora depois, o bebê adormeceu e Isabela o levou para o quarto, onde, junto ao marido, montou um “cercado” de almofadas para protegê-lo. Quando voltaram à cozinha, não puderam deixar de rir ao ver a mesa totalmente decorada para o jantar. Haviam se passado quarenta minutos desde então. Cláudio perguntou se a mulher gostaria de comer algo, mas Isabela disse que estava muito tensa e sem fome. Ele também não queria nada e, portanto, concordaram em guardar a comida para o almoço do dia seguinte.

Era uma hora da manhã quando Cláudio foi deitar-se. Isabela pediu a ele que cuidasse do bebê até que ela voltasse. Não explicou ao marido aonde iria quando saiu apressada de casa. E antes de fechar a porta, pôde ouvi-lo murmurar algo à criança que dormia profundamente ao seu lado. Sorriu entre lágrimas ao constatar que as palavras eram você é o nosso milagre de Natal.

Quando Isabela chegou à Igreja, algumas pessoas que haviam estado na última missa da noite se despediam, desejando um ótimo Natal umas às outras. Passou por todas e foi sentar-se bem à frente, onde o silêncio era quase incômodo. Ajoelhou-se, e, soluçando baixinho, se concentrou nas preces, nos pedidos e agradecimentos. Mas é claro que o principal motivo de estar ali era a pequena menina que iluminara a sua noite. Fitando o altar, Isabela pediu a Deus que a deixasse ficar com a criança. Que ela e o marido conseguissem adotá-la e formar a família feliz que sempre sonharam. Ali, naquela Igreja que tanto amava, Isabela implorou que pudesse realizar o sonho de ser mãe.

Depois do acontecimento da noite de Natal, Cláudio e a mulher sabiam que teriam que lutar muito para conseguir adotar o bebê. Sabiam que haveria muitas pessoas cruéis impedindo a sua felicidade. Porém, era óbvio que, pela alegria do casal no dia em que foram encaminhar os papéis para a adoção, nada destruiria o amor que tinham pela menina e seu desejo de criá-la como sua filha.

E três meses depois, quando foram oficialmente registrá-la, perceberam que nenhum dos dois havia pensado em um nome. Mas, sorrindo, Isabela rapidamente afirmou:

– Ana Luz. Vamos chamá-la de Ana Luz. – Seus olhos estavam marejados de lágrimas enquanto olhava para a filha e lembrava-se da noite em que ela lhes chegara como um milagre. E mais do que nunca, ficou claro que ela era a sua luz. Uma luz forte e brilhante que chegou no momento exato, quando tudo parecia estar perdido. Ana Luz era a prova concreta de que Deus existe, e que os sonhos se realizam quando se tem fé. E daquele momento em diante, o casal percebeu que nunca mais precisaria ter receio do Natal, pois ele lhes dera um presente. O mais belo que poderiam ganhar.

Isabela e Cláudio sorriram entre lágrimas ao perceber que esse presente era a família que tanto desejavam.

Helen Bampi
Enviado por Helen Bampi em 14/12/2009
Código do texto: T1977922
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