O menino que contava estrelas
Em uma cidadezinha pacata do interior do Rio Grande do Sul morava um jovem rapaz com um sonho que dominava todas as artérias de seu corpo em determinados momentos ao longo do seu dia. Seus olhos ganhavam vida e um brilho intenso quando o enorme pássaro voava naquele pedacinho esquecido do céu. O garoto os contava um a um quando passavam por cima de sua cabeça. E à noite, deitava-se na rede da varanda da casa de seus pais para ver se, por sorte, algum deles voaria por ali em algum momento.
Era uma noite de verão, com o ar morno e uma leve brisa que soprava para refrescar. E lá estava ele mais uma vez deitado na rede em sua varanda, olhando fixamente o céu. Será que contava estrelas? Na realidade estava esperando o momento que mais lhe encantava, quando um avião passava no céu de sua cidade, com suas luzes trilhando seu trajeto na imensidão. Era como se estivesse vendo uma estrela cadente movendo-se rápido pelo céu e ele sempre fazia um pedido, sempre o mesmo “quando crescer quero ser piloto de avião!” desejava. Marcava um traço em seu caderno cada vez que avistava algum pássaro de lata passando. Infinitas noites estreladas, algumas vezes uma ou outra nuvem repousava naquele manto negro, e uma lua brilhante hipnotizava os olhos. Quando chovia e o céu ficava totalmente fechado pelas nuvens cinzas e negras, o garoto sentia-se a pessoa mais infeliz do mundo, pois não conseguia avistar o seu fiel amigo, o avião.
Não possuía muita idade, mas quando alguém lhe perguntava o que gostaria de ser quando adulto, ele tinha a resposta na ponta da língua: “piloto de avião!” dizia entusiasmado. Queria poder estar sempre junto ao seu futuro amigo, no momento tão desconhecido. Queria poder contar as estrelas de perto, conhecer lugares distantes do seu pequeno mundinho interiorano. Sua vontade aumentava a cada dia, e o jovem garoto vinha algumas vezes para a capital, porém, apesar de algumas tentativas, não conseguia se adaptar. Mas quando retornava à sua cidade natal, era como se o seu coração estivesse parado e sem vida. Estar em sua cidade significava ver cada vez mais longe o seu objetivo, o seu desejo ficava cada vez mais distante, era como afastar-se a cada minuto infinito do seu maior sonho, o de voar em um céu sem fim.
Todos o chamavam de louco, o que ele esperava de uma profissão que em muitos momentos mostrava-se ingrata, que poderia terminar com sua vida como tantos outros? Abandonar a família, os amigos, viver numa cidade grande como Porto Alegre era um desafio mais do que doloroso ao pobre rapaz. Mas assim ele decidira, queria conquistar o amigo pássaro assim como o companheiro céu azul.
Ao completar 18 anos, mudou-se definitivamente para Porto Alegre, pois havia ganho uma bolsa de estudos no Aeroclube do Rio Grande do Sul. Estava, agora, um pouco mais perto de conquistar seu sonho real de menino. Mas ele não sabia que haveria tanto esforço pela frente, afinal, dominar o tão sonhado avião não era nada fácil. Todas as horas incansáveis de estudo e dedicação ainda era muito pouco em relação a tudo o que precisaria fazer para realizar seu ideal e chegar cada vez mais perto de um futuro amigo, o grande gigante dos céus.
Nunca havia ficado longe da família e dos amigos, nunca estivera tão perto de desconhecidos, nunca havia sido tão destratado em alguns momentos, nunca tivera de se esforçar tanto, nunca imaginara que houvesse tantas dificuldades, nunca quisera tanto alguma coisa, nunca havia entrado em um avião, nunca havia voado, nunca havia visto o céu azul tão de perto, nunca havia estado tão feliz! Eram muitos “nuncas” para apenas uma pessoa suportar. E tudo aconteceu pela primeira vez, e pela segunda, terceira, até que perdeu as contas de quantas vezes havia feito aquilo. Agora ele contava as estrelas de perto e perdera a conta dos passeios com o pássaro de lata no infinito. Era o início de sua jornada rumo a um futuro incerto e desconhecido, mas ao lado de dois companheiros incansáveis, o avião e o céu azul.