ORAÇÃO DA CASA GRANDE
ORAÇÃO DA CASA GRANDE
(diário de quem não sabia escrever)
Quem reza, reza e pronto.
As maneiras da reza são de variados e bons gostos.
Reza assim, reza aqui, reza lá, reza assado.
Oração benfazeja.
Homem muito bom, mulher sem coragem,
Mulher boa, homem sem vergonha...
Quem janta e é pobre, fica mal comido.
Quem ceia bem tem dinheiro, é rico.
Oração envelhecida, tempo perdido,
Uma vez reza bem e outra vez fica safando.
Nem tudo o que o povo reza ele vive com fé.
Nem tudo o que é fé, fala do que o povo reza.
Minha sinhá era fofoqueira e rezadeira,
Meu sinhô era pistoleiro, um fazendeirão.
Minha babá não sabia outra coisa
Senão balançar a rede para mim
E rebolar o bumbum para o meu sinhô.
Minha mãe era cheia de ouro na barriga.
Ela não gostava de criança, mas rezava!
Os irmãos ficavam todos pelos campos,
Ficar em casa só apanhava e trabalhava.
A preta velha ficava no fogão de lenha o dia inteiro.
Ela era gordona, negrona, ela deveria ser nossa mãe.
Mas quem rezava mesmo era nossa mãe.
Ela rezava e batia até na filha da cozinheira.
Meu sinhô era forte, cara enxuta e muito feia.
Ele não rezava, mas sabia bater nos escravos.
Os negrinhos tinham muito medo dele.
Dos pais deles não tinham medo não.
Engraçado! Às vezes, as filhas da cozinheira,
Tinham filhos e eram mulatos, tinham a cara do meu sinhô.
Minha mãe ficava vigiando a minha babá,
Pois um pequeno descuido e o sinhô ia para o porão.
Cadê a Babá? Desceu para o porão Sinhá!!!
Quando não era a babá era uma negrinha bem bonitinha da tuia.
Nas festas tinha terço e depois forró.
Meu sinhô só ficava com quatro negrinhas da cozinheira.
Uns diziam que a terceira era filha dele mesmo.
A cozinheira ficava o tempo todo das festas no fogão.
Um dia disse o meu sinhô a uma das filhas da cozinheira:
“Ó meu Divino Espírito Santo, eu não quero ver essa mulher
Morrer de parto e nem ficar com esse bucho,
Nem que esse anjinho mulato tenha que morrer afogado!”
De vez em quando saía esse tipo de oração na casa grande.
Esse meu povo naquele tempo já rezava.
Quem reza, reza e pronto!
É isso aí!
Acácio