O Encontro

O ENCONTRO

Ele já estava ali esperando sabe-se lá quanto tempo. Não agüentava mais aquela demora ociosa que fazia as horas ficarem pesadas e se arrastarem uma atrás das outras. E o que é pior, ele não sabia qual delas havia passado, qual estava passando e nem a que viria depois. Quantos dias ou meses estaria ali não se sabe, mas o fato de ignorar o tempo era uma tortura.

Finalmente uma voz muito doce o chamou - "Meu filho, chegou a sua hora". A voz doce lhe causou mais tormento do que alívio. De onde teria vindo? Quem lhe chamava assim de "meu filho". - "Pode passar por aquela porta"- acrescentou a voz do infinito. Mas que porta, se tudo era branco como o nada. Tanto tempo naquele lugar sem cor, sem frio nem calor, sem nada, já não podia distinguir entre a direita e a esquerda, o lado de cima e o lado de baixo. E não via nada parecido com uma porta.

"Siga em frente e a porta se abrirá no momento oportuno" acrescentou a voz, adivinhando a sua dificuldade. Um espaço se abriu a sua frente, revelando outra sala mais branca que a brancura anterior. Ele fere o espaço com a ponta dos pés, entrando cautelosamente no desconhecido.

- Aproxime-se meu filho, não tenha medo.

- Mas como não ter medo. Estou num lugar que ficou mais branco que a escuridão, sem janela, sem porta, sem ninguém. E o que é pior, sem o tempo. Como é que eu posso não ter medo?

- Não se preocupe - respondeu a voz- Agora você está comigo.

- E quem é você.

- Sou aquele a quem tanto você procura.

- Mas eu não estou procurando ninguém. Tudo que eu quero é sair deste buraco branco.

- Todos querem vir para cá. É estranho que o senhor esteja reclamando.

- Eu estou num lugar que eu não sei onde é, faz não sei quanto tempo, não vejo ninguém e agora que ouço e posso falar, eu não sei com quem.

-Eu sou teu pai - falou a voz demonstrando alguma emoção.

-Meu pai já morreu.

-Que coincidência, meu filho, você também.

- O que é isso? O que você quer dizer com "Você também" ?

Não houve resposta. Apenas um silêncio branco como o lugar e o tempo.

- Quer dizer que...Eu, eu estou morto?

- Em carne e osso - Brincou a voz.

- E quem é você?

-Já disse, eu sou o seu pai.

- O meu pai falava de outro jeito.

- Sou o pai do seu pai.

- Meu avô também tinha outro jeito de falar.

-Sou seu pai. Pai do seu pai. Pai do pai do seu pai. Sete vezes sete pai.

-Eu não estou falando com Deus, estou? Não,não, Quando muito com São Pedro, o homem da chave. Foi você quem abriu a porta branca?

- Eu não sou São Pedro. Estou acima.

- São Jorge? - A voz sempre negava cada identidade apresentada - Francisco?, João? Judas não, pelo amor de Deus.

-Acertou - Respondeu a voz alegremente.

- Judas?

- Não, Deus.

- Meu Deus - Exclamou admirado.

-Sou eu mesmo - Respondeu a voz- Muito prazer.

- Pois olha, prazer eu não tenho nenhum. Estou muito aborrecido de ter ficado esperando sabe lá quanto tempo naquele quarto escuro branco.

A voz respondeu meio sem jeito:

- Queira me desculpar. Mas está vindo tanta gente lá de baixo, que eu não dou mais conta sozinho.

-Pois arruma um assistente.

- Estou procurando. Mas aqui está todo mundo muito ocupado.

-Pega alguém lá de baixo e puxa para cima.

- Olha que eu tenho procurado - Respondeu Deus meio desolado - O senhor tem alguma indicação para me dar?

- Se eu fosse Deus e precisasse de alguém para me ajudar eu pegaria um presidente de uma grande nação. A maior de todas.

-Já fui pesquisar o homem- Respondeu a voz desolada - Não serve. Ele vê perigo até na sua sombra se ela tiver barba. Eu então com a barba desse tamanho, ele ia logo me jogar uma bomba. O homem ficou louco. Não serve para o Céu não.

- Então chama lá o presidente do meu país. O homem faz sucesso lá em baixo. É culto, inteligente, sociólogo consegue convencer Deus e o Diabo como a gente diz lá.

- Tenho medo dele - Respondeu Deus com um ar de preocupação.

- Medo? O homem não quer saber de guerra, só fala em desenvolvimento, emprego, oportunidades para os emergentes.

- Perigoso - Falou a voz com certa preocupação - Com certeza ele ia querer o meu lugar. - A voz fez uma longa pausa e acrescentou - Mas, o senhor já está aqui mesmo, chegou a sua hora, não precisa mais esperar. Vamos começar.

- Mas começar o que?

-O seu julgamento. Hoje é o dia do seu juízo final. Aliás eu já tenho aqui o resultado. E se o resultado é de Deus, o senhor não pode apelar para as instâncias superiores.

- Pode ir parando. Não vai me falar que aquela lorota toda é verdade.

- Exatamente.

- Igualzinho?

- Tudo que o senhor ouviu lá foi ditado por mim.

- Aqui no Céu é do jeitinho que eles falavam na terra.

Deus respondeu com orgulho:

- Não mudaram uma palavra minha. O Céu é a recompensa. Tudo aqui é belo.

- Branco você quer dizer?

- Branco - Confirmou Deus - Paz, serenidade.

- Mas nem uma desavençazinha para variar?

- Nada. Isso é coisa da terra.

- E a mulherada?

- Nada, aqui não temos sexo. Isso é coisa da terra.

- Um aperitivo de vez em quando?

- Só água. Bebida alcoólica é coisa da terra - Acrescentou Deus com orgulho.

- Isso é o Céu?

Deus acrescentou orgulhoso:

- Isso é o meu Céu, branco, puro, sem sexo, nem as bebidinhas como o senhor falou . Aqui é tudo como o senhor está vendo - Fez uma longa pausa, como se procurasse uma maneira de falar alguma coisa que iria desagradar o morto. - Mas infelizmente, pelo que eu já fui informado, o senhor não vai poder ficar entre nós. Terá que voltar à terra em breve e os meus auxiliares já vão preparar o seu retorno.

- Meu pai. Agora de uma coisa eu tenho certeza: A sua bondade

é infinita.