Sujeiras Fantasmas

SUJEIRAS FANTASMAS

Eu entre meus defeitos, entre minhas sujeiras e meu corpo imundo, sinto que posso permanecer, mas este corpo sujo e essas mãos que podem tocá-lo quando bem entender, são as mesmas mãos que demonstram uma delicadeza e uma fineza que não existem na solidão de corpo. Sou eu, suada pela noite, suja pelo dia, com odores estranhos pelos movimentos, que me transformo em quem quiser para agradar a quem quiser. Mentira, é o que me acompanha. Durante a virada das esperanças, recebi, como se não bastassem, três frases de mesma intensidade, com os mesmos desejos e sentimentos profundos, de três jovens cegos e ingênuos. Eu te amo, era isso que diziam as três incríveis mensagens. Pois bem, terminei e comecei mais uma seqüência de dias sendo amada e desejada por três corações incandescentes. Merecido? Nunca! Mentira, é o que modula estas três relações. Menti para todos eles.

Não posso negar que o entusiasmo de ser desejada como meta para um ano novo me deixou extremamente excitada, mas logo me arranhou lá no fundo um incomodo que eu, da forma como aprendo a olhar o mundo, não pude deixar de refletir. Sou uma artista, que busca fãs, apenas isso. Tenho homens e sexos ao meu dispor quando mais eu precisar. Sou sozinha e isso não tem graça. Nenhum deles pode sentir meu cheiro mau e a espessura da minha verdadeira pele, porque nunca estiveram, na verdade comigo. Estão ao meu lado sentindo o cheiro artificial do meu perfume e acariciando uma pele modelada de acordo com as pregas das mãos deles. Meu corpo está fechado. Meu coração frio como uma rocha. Sou dura, sou um prego no meio de um jardim. Sou o errado, sou o falso. O verdadeiro está aqui, em frente a um nada revelando e aprendendo com isso mais alguns defeitos.

Durante todo o ano, pude fazer crescer amores. Fui erva daninha que se apoderou de corpos e almas. Enquanto isso, os bastidores pensavam sozinhos. As cochias estavam num breu e quando a luz acendia, eu não permitia que ninguém mais compartilhasse da minha presença tão encantada. Sou uma atriz viciada na fantasia, e estou sozinha. A virada aconteceu, os fogos explodiram, as tecnologias me avisaram sobre sentimentos alheios e então a hora de dormir, inevitavelmente, chegou. Afundei meu corpo num colchão confortável e não consegui chorar. Com a luz do meu mensageiro iluminei meu quarto e sentado sobre minha escrivaninha vi um rosto conhecido. Assustada, iluminei o outro canto, e mais uma vez, outro rosto familiar, como se já esperasse, segui mais adiante com a luz e lá estava ele, o outro rosto enganado. Três homens, três meninos. Três corações iluminados pela minha luz falha. Corações pulsavam forte. Tapei os ouvidos, mas sentia minha cama vibras as batidas de corações apaixonados. Quatro corpos dividindo o mesmo colchão. Um deles suava frio e outros três de prazer.

E a noite não terminou. Fiz amor com três corpos inexistentes ao mesmo tempo. Um sem perceber a presença do outro. Para cada um deles eu estava como me queria, e eu estava como sempre estive, brincando com três corpos e três almas ao mesmo tempo. Sinto-me como um sangue que se doa universalmente. Posso fazer parte de qualquer organismo, mas apenas o certo pode fazer parte do meu. A noite foi assustadoramente aconchegante. Mãos acariciavam meu corpo de maneira carinhosa. Três troncos que me acomodavam da melhor maneira possível. Três pessoas querendo o meu bem, não podia ser melhor, mas foi bem pior do que aparenta. Minha mente transtornada, meu corpo cansado, meus novos planos forçando a serem pensados. Tentei verdadeiramente desejar algum deles, mas nada, forçava meu coração a disparar pensando na presença de algum deles, eu estava longe demais. Nada mais do que minha presença, meu descanso e uma mentira muito boa para terminar com cada um deles passava pela minha cabeça pesada. Os fantasmas tinham que me deixar em paz, na verdade, eu os deveria deixar em paz.

Certos fantasmas nunca se vão. O fantasma da minha própria vida é teimoso e quanto mais eu iluminava meu quarto de segredos e mistérios, mais ele aparecia em mim, mais ele dizia; “dormirei ao seu lado”. Este fantasma não me deixa cheirar mal, não me apresenta como o monstro que sou. Esconde a feiúra, o mau jeito, as rugas e os piores defeitos. Este fantasma me abandona quando estou sozinha e então posso olhar pra dentro de mim e enxergar o verdadeiro amor de uma vida. Sou eu, sem fantasmas, sem roupa, nua, quem aqueles três pobres, mas sensíveis humanos puderam perceber dentro de um corpo, do meu, a realidade de um animal, poucas vezes racional. Eles podem me ver, eles podem me sentir, por isso sentem tanto, quem não sente, quem não vê, quem não quer ver, quem é egoísta e não sabe dividir é este fantasma que me acompanha. É ele o responsável pela minha desgraça e pela minha falta de verdade. Não me deixa entregar. Sente meu corpo e apenas usa o alheio. Fantasma de medos, de planos futuros perfeitos e sem erros. Impossível. Fantasma que mora no meu corpo sombrio durante a noite e durante a solidão. Fantasma que deve me deixar.

Certos fantasmas nunca se vão!

BCA(reagindo) 040109

BCA
Enviado por BCA em 18/07/2009
Código do texto: T1706228
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