Uma Noite
Como era para ser a noite? Deveria dormir e acordar horas depois. Senti as paredes embaixo das minhas mãos. Estava deitada, estava cansada, descansada. Lembrei-me do dia que havia passado, das pessoas que tinham passado por ele diante dos meus olhos. Dormia. Apenas.
Suava, sonhava. Mais uma noite em que me deitei depois da hora. Dentro de mim algo estava diferente, fora de mim, um anjo, adormecido. Deveria acordar. Alguém deveria fazê-lo. Olhos fechados, travados na noite quente. Perdia massa, perdia água, mas era apenas mais uma noite. Rolava de um lado para o outro, havia de despertar em algum momento.
Ouvi vozes. Será que já querem que eu me levante. Ainda é cedo. Não, continuarei dormindo, meus olhos estão trancados, não têm forças para se levantarem. Não estou só no meu quarto. Aqui as pessoas falam, aqui elas gritam, mas o que está acontecendo? Deixem-me dormir, a noite foi longa, muitas cores, movimentos, prazeres, risos, uma noite qualquer. Deixem-me descansar. Além destas vozes perturbadoras em volta da minha cama, podia sentir a presença de uma dor incomoda. Meus olhos fechados, permaneciam. A dor começou a ficar insuportável, como as vozes a minha volta. Será que devo levantar e perguntar o que está acontecendo? Dor forte e apertada desceu do peito até meu último dedo. Agora sim, dói muito. Agora sim, passaram dos limites, esta gritaria deve estar causando esta dor. Meus olhos. Não abrem. Meu coração disparou. Parou. Sonho? Não. Meus olhos! Meu corpo todo!
De olhos fechados eu vi. De olhos fechados ouvi gritos. A dor passou. A noite se foi. Havia os que ainda tentavam me acordar. Eu ainda tentava, mas meus olhos não abriam. As companhias da noite estavam novamente ao meu lado, mas eu não estava em pé. Deitada, confortável. Mãos me acariciavam. Meu corpo estava ficando molhado, mas não estava mais suando. Parem de chamar meu nome! Deixem-me dormir!
Não era um sonho. Era a manhã do dia seguinte. Eram meus pais, meus amigos. Era meu corpo. Era meu coração me deixando para trás. Era minha noite eterna. Eles me chamaram, mas hesitei. Permaneci deitada de olhos fechados. Eles me tocaram, mas meu sono foi pesado. Debruçaram sobre mim, mas achei incomodo. Gritaram, mas pedi que parassem. Era minha noite, a noite que dormiria um sono pesado e profundo, a noite em que os sonhos seriam reais, a noite em que meu corpo permaneceria.
As faces que sorriam comigo antes de me deitar estavam lá. Medo. Olhei meus olhos fechados, meu corpo todo descansado, saudável daquela dor. Sem movimento, sem cor, sem sono, sem vida. Ao contrário, a dor havia causado os gritos. Meu corpo recém chegado de um sonho que durou 20 anos. Havia de despertar. Estava desperta. Estava atenta, estava em pé diante de mim mesma. O sol trazia nos seus raios um novo, estranho, sozinho, um dia que não chegaria. Tanto cansei que permanecerei por muito tempo ali deitada, até que meu corpo desapareça e não reste nada mais para permanecer fechado. Meus olhos lacrados do tempo. Meu corpo iludido por uma manhã. Uma vida. Um coração parado. Uma noite eterna. Uma face. Várias delas. Vozes. A minha calada. Uma dor camuflada pelo sono. Um pedido de socorro escondido nas mantas. Uma morte nem tão sonhada assim. Uma morte. Um verdadeiro fim.
Permanecerei na noite, estampando meus gritos nos ventos frios das madrugadas cansadas. Permanecerei acordando quem dorme e não vê. Permanecerei aqui, de olhos jamais abertos. Gritos. Socorros. Noites. Sono. Dor. Morte.
Naquela noite eu morri sem saber!