A CHAVE NO VASO (Téssia e Augusto)
A CHAVE NO VASO
Téssia e Augusto se conheceram por acaso, publicando textos na Internet. Dois poetas. Os poemas apaixonados produziram muitos versos. O fogo da paixão incendiava estrofes, rimas. A inspiração não os abandonava. Apaixonaram-se pelo engenho e arte. Havia uma música no ar. As almas poéticas em êxtase.
Eneida, uma bela parisiense, lia todos os dias os versos platônicos e se apaixonou pelo mesmo poeta. Ventos enxotaram as musas. O amor é afeito ao novo. Violetas brotaram no coração de Augusto. A poesia de Eneida iluminava os olhos do vate enlouquecido. Não navegava mais em direção ao porto de Téssia.
Augusto e Eneida sucumbiram. Atravessaram o plano da arte. O poeta decolou para os braços da luz. A poesia, no chão dos mortais, teve seu dia de vinho, glória, beijos, sensualidades. Paris leu o primeiro poema escrito a quatro mãos.
VOUS
Vous êtes le soleil
qui brille dans ma tristesse
Vous êtes le soleil
qui habite dans mon coeur
Vous êtes l'espoir d'or
dans les ténèbres
les vagues d'argent sur la lune
les fleurs de printemps
les feuilles oubliées par l'automne sur les routes
la silencieuse pluie sur la cité
Vous êtes la douleur
que je supporte avec plaisir
Vous êtes l'amour
je l'avais perdu
Téssia definhava. Escrevia versos surrealistas e contos policiais. Quando Eneida saía para ministrar aulas na Universidade, Augusto procurava restos de amor nos textos de Téssia.
Veio um convite para Augusto assumir uma coluna de crítica literária num jornal de Paris. Escrevia feito louco. Eneida distante, o olhar pensando em algo, talvez um rasgo de inspiração. No dia do aniversário de Augusto, Eneida saiu logo cedo. Nada escrito no espelho.
Numa avenida parisiense o poeta avistou a amada. Ficou observando o beijo. À noite ela não voltou. Téssia parou de publicar. A personagem de seu último conto apaixonara-se por um investigador. Augusto anotou no espelho enquanto ouvia uma canção italiana:
LA LONTANANZA
Navegamos no mar Adriático
Bebendo o azul da eternidade
No Sena
No Tejo
Brincamos no Coliseu
Feito adolescentes
Paixão e inocência
Entramos em museus e catedrais
Corremos espantando pombos
Sorrindo
Extasiados pelas luzes de Paris noturna
Vibramos olés nas touradas em Madri
Dançamos o flamenco nas praças
De mãos dadas subimos montes e visitamos velhos mundos
Acordamos cada um nas cenas reais
Totalmente indiferentes às ilusões
Adieu, Eneida. A chave está no vaso.