O último dia de cão para Azoé Ferraz
Chovia. E Azoé Ferraz, que resolvera ficar mais uns dez minutos na cama após o despertador tocar, salta num susto a fim de se arrumar para o serviço ao ver que ficara meia hora a mais do que pretendia. Nesse salto pisou no chão de mau jeito e torceu o pé. Vestiu-se rapidamente. Pediria agora para sua mulher lhe preparar algo para comer, mas lembrou-se amargamente que ela o havia deixado para morar em outra cidade, com um outro homem, diga-se de passagem.
Ferraz teve de esperar o ônibus no maior toró mesmo, porque seu guarda-chuva tinha acabado de quebrar na pressa de abri-lo ao sair de casa. Não é preciso dizer que quando a circular chegou ao ponto jogou toda a água suja do meio-fio no uniforme recém-passado do rapaz, isto porque azar maior foi quando o ônibus quebrou faltando umas oito quadras para o seu serviço. Agora, Azoé estava a pé. A esta altura as ruas estavam inundando, mas logo a chuva parou e o céu se abriu, e as calçadas ficaram livres novamente, exceto pelas fezes de um cachorro, que Azoé, para adornar o dia, teria de pisar em cheio, o que, de fato, aconteceu.
No serviço, pegou o material e foi trabalhar, meio chateado, pois seu salário iria atrasar mais um mês. E, mesmo levando a maior bronca do patrão pelo atraso no serviço, levantou a cabeça e saiu pra rua.
Chegando numa casa, uma moça – conhecida sua – o convida para entrar. Parecia que a sorte lhe sorria nesse instante. Ele aceita um cafezinho, mas não lhe parece fazer bem. Sua pressão começa a cair, sua como um animal, sua visão escurece, até que tomba no chão. É que o carteiro Ferraz mal imaginara que a cordial moça o culpara insanamente por ele não ter mais entregue as cartas de seu caloroso amante, que parara de lhe escrever. Como o coitado do Azoé saberia que havia cianureto no café?
Pelo menos, nos últimos instantes de lucidez, Azoé pensa no dia que passara e na vida miserável que tinha. E ficou feliz por saber que aquele era o seu último dia de cão, e morreu aliviado, o pobre Azoé Ferraz...