Cachaça e pimenta.
Ele acordou como sempre, daquele jeito que todo mundo acorda. Mal tomou seu café da manhã e já estava na rua. Montou sua mesinha de madeira, velha, com um dos pés quebrado, juntou duas cadeiras, uma pra ele, outra pra quem quisesse sentar. Encheu um pote com pimentas dedo-de-moça temperadas com sal e azeite. Na mão direita, trazia uma garrafa da cachaça mais mineira das cachaças, na esquerda, dois copos. E assim passou sua tarde de sábado, comendo pimenta na raça e bebendo da marvada. Ao longo do dia, alguns se sentaram com ele pra falar do tempo ou de política. Mas não o interessava, a política ou o tempo. Só o que importava era a próxima mordida e o próximo gole. A noite chegou, o sereno o obrigou a recolher a mesa, as cadeiras, a garrafa quase vazia e o pote com duas ou três pimentas. Entrou em casa, recostou a mesa e as cadeiras na velha dispensa e guardou o resto da aguardente e as duas ou três pimentas que sobraram. Trocou de roupa pra dormir. Sua mulher não estava lá. Mas ele nem ligava. Mesmo sabendo que só o que lhe restou foi o refluxo de ácido gástrico, conseqüência da pimenta e da cachaça. Virou dois ou três goles de leite de magnésia e capotou a cabeça no travesseiro. Sonhou que estava em Minas, tomando pinga e comendo pimenta malagueta direto do pé.