Um pedacinho de chão

E ali estava ela, com um olhar inocente e um sorriso no rosto, tal qual um aviso que dissesse: “Entre sem ser anunciado”. 

Pois bem!  Ele entrou e, daí, quando já estava pronto para começar a explorar o terreno, veio ela lhe apontando todas as cercas de arame farpado que se estendiam de um lado e outro da tal entrada convidativa.  Ele viu-se na contradição de ser tratado como invasor.  A seu bel prazer, ela arrogou-se a condição de definir se o que deveria prevalecer seriam o portal de entrada ou as cercas que o ladeiam.  Ele chamou àquilo de propaganda enganosa.

Contudo, mesmo tendo ele se constrangido por aquele inusitado e injusto senso de invasão, quando estava se preparando para sair, notou que, pelo lado de dentro, a passagem por onde entrara tinha uma outra inscrição: “Proibida a passagem”.  Ora!  Deveria ele então se rasgar nas cercas de arame farpado para sair?  Além do engodo de ter sido convidado a entrar para ser, ao depois, rechaçado, ainda deveria ser punido porque foi enredado naquele sádico estratagema?

Ele tentou atravessar o campo para o lado oposto, buscando uma outra saída qualquer.  O que foi notando, contudo, é que, quanto mais se embrenhava território adentro, tanto mais um espesso matagal se impunha à sua frente.  Lá, onde ele a descobrira, quando do enganoso convite para entrar, existiam flores e regatos anunciando uma franquia do paraíso.  Entretanto, uma vez perdido no meio daquele mato que crescia desgovernado, ele deu-se conta que a entrada do inferno é cheia de truques.

E, em meio àquele mato todo, foi notando o núcleo essencial de tudo: muito lodo, muita erva daninha, muita fauna peçonhenta e um certo ar sombrio. Intrépido, foi avançando mato adentro.  E lá no meio, onde, o matagal era mais alto e mais espesso, encontrou uma plaqueta fincada ao rés do chão, dizendo:  “Proibido pisar na grama”.

Ali ele passou a entendê-la!

Seu ímpeto foi de atear fogo no mato, derrubar todas as cercas e jogar no lixo o aviso de convite da entrada.  Tudo isso para que nunca mais alguém caísse em tais armadilhas.  Mas não foi o que ele fez.  Voltou pelo mesmo caminho que viera, deu de ombros aos avisos e sinais e, simplesmente, saiu – a despeito dos veementes protestos que ela lançava.  Quem o viu fugindo, não entendeu nada, porque à vista do mundo só aparecia o perímetro que, propositalmente, falseava o que no interior de fato existia.

Sem se importar, ele partiu com a certeza com relação a ela de que, essa coisa mal cuidada que é sua essência, estaria naturalmente crescendo e crescendo e, a despeito de todo cuidado em disfarçar isso com paisagens artificiais à sua volta, com o tempo, tudo o mais naquela gleba também seria encoberto pelo matagal.